Opositores sírios definem em Berlim plano para era pós-Assad
Exilados sírios reuniram-se na capital alemã para discutir futuro de seu país. O resultado é o plano The Day After, que pretende auxiliar o povo sírio a erguer estruturas democráticas após a saída de Assad.
Um grupo de exilados sírios apresentou nesta terça-feira (28/08), em Berlim, um programa democrático para o período após a saída do presidente Bashar Assad. O plano, intitulado The Day After (O Dia Seguinte, na tradução em português), defende explicitamente os direitos humanos, prevê a criação de uma Assembleia Constituinte e estabelece reformas para as Forças Armadas, a Justiça e o aparato de segurança do Estado.
O grupo formado por 45 exilados e outros opositores do regime sírio vinha se reunindo na capital alemã desde o início do ano para discutir o futuro do país. Jornalistas internacionais esperavam que o plano respondesse à questão de que, após a queda de Assad, haveria a possibilidade de introdução da Sharia – o código de lei islâmico.
Segundo Amr al-Azm, membro da National Change Current (Corrente de Mudança nacional), o representante da Irmandade Muçulmana no projeto The Day After rejeitou expressamente a introdução da legislação de acordo com a Sharia. Tal representante se encontrava na plateia e acenou positivamente com a cabeça.
Passo-chave
Afra Jalabi, antropóloga e representante do grupo Declaração de Damasco e do Conselho Nacional Sírio, garantiu que a nova Justiça do país será baseada nos direitos humanos e no Estado de Direito. Todos os sírios, independentemente da religião ou grupo ao qual pertencem, deverão ser iguais perante a lei, completou Murhaf Jouejati, também do Conselho Nacional Sírio.
"A nova cúpula política e o novo governo devem mostrar claramente seu compromisso com condições e procedimentos políticos que rompam com a herança autoritária", sinaliza o texto. Um passo-chave nesse processo é anular a nova Constituição aprovada este ano e substituí-la por um novo marco jurídico que garanta a igualdade de direitos. O plano propõe a antiga constituição de 1950 como base.
A iniciativa foi apoiada pelo Instituto da Paz dos Estados Unidos (USIP, na sigla em inglês) e pelo Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e Segurança (SWP, na sigla em alemão). Os Ministérios do Exterior da Suíça e dos Estados Unidos, assim como ONGs da Noruega e da Holanda, também colaboraram para o financiamento do projeto.
Medo do futuro
O período pós-Assad preocupa não somente observadores internacionais, mas também muitos sírios. "O medo do islamismo retarda a transição" para a democracia, disse Jalabi. Há ainda o temor do caos após a queda do regime.
Por isso, segundo os membros do The Day After, o projeto reuniu todas as forças de oposição significativas, além do Conselho Nacional Sírio e outros grupos políticos, étnicos e religiosos. A proposta era discutir como um recomeço pacífico poderia acontecer.
A ideia agora é distribuir o documento apresentado em Berlim na Síria, afirma Al-Azm. Desse modo, espera-se convencer o povo sírio de que os tempos pós-Assad "não são algo que se deva temer, mas sim algo que deve alegrar e para o qual devemos nos preparar na esperança de criar uma Síria melhor".
Os participantes do projeto consideram que a formação de um governo de transição seja tarefa deles, mas que isso deve acontecer na própria Síria. A proposta do grupo era muito mais a de sugerir uma série de opções de ações "que um governo de transição poderia adotar ou não", afirma Jouejati. "Trata-se de dar aos sírios condições para que tomem as rédeas do próprio destino", complementa Jalabi.
Os autores da iniciativa também a enxergam como uma resposta a acusações do exterior de que a oposição síria estaria dividida e incapaz de agir. Segundo Al-Azm, amplas áreas da Síria não estão mais sob o controle de Assad há meses e o caos não eclodiu em nenhum lugar. Em tais regiões, a população formou conselhos comunitários e passou a organizar a própria vida, explicou.
Jouejati ressalta que os sírios executaram uma "resistência notavelmente pacífica" contra o regime Assad durante meses. "Não há lugar para fanáticos religiosos e extremistas no futuro da Síria", garante o opositor.
Restabelecer confiança
Jalabi destaca que a Síria é uma "sociedade profundamente ferida". Tais feridas têm diferentes causas, estreitamente ligadas à tirania dos Assad pai e filho. "Quase não se encontra alguém no país que não tenha parentes que foram mortos ou presos. Ironicamente, isso também vale para seguidores do próprio regime", explica.
Por isso, em primeiro lugar é preciso restabelecer a confiança do povo sírio no Estado, explica o ativista Rami Nakhla, que também faz parte do The Day After. "Na Síria de Assad todos sabiam que a lei não valia nada. Quem tinha boas conexões, poder e dinheiro, não estava sujeito à lei." Por isso o esforço para estabelecer direitos iguais a partir de agora.
Para que os sírios possam se distanciar dos 40 anos de ditadura e tirania, o grupo de trabalho recomenda que se convoque uma comissão de historiadores. Desde o início da revolução, os sírios foram sujeitos à brutalidade e repressão como nunca antes, diz Jalabi. Porém, é necessário não esquecer o passado.
A história recente do país tem muitas marcas de violência política, como o massacre na cidade de Hama em 1982, em que o regime executou milhares de rebeldes da Irmandade Muçulmana. Também é preciso lembrar as 80 mil pessoas desaparecidas nos anos 1980, quando Assad avançou com toda a violência contra os rebeldes que restavam.
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