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Francisco é o primeiro papa que visitará Cuba após a reconciliação com os EUA

Soledad Álvarez

Em Havana

17/09/2015 14h51

Apesar de ser o terceiro papa a visitar Cuba, Francisco será o primeiro que verá uma bandeira dos Estados Unidos hasteada na nova embaixada americana de Havana após o restabelecimento de relações entre os dois países, que ficaram congeladas por mais de cinco décadas.

Nove meses depois de os presidentes Barack Obama e Raúl Castro surpreenderem o mundo com o anúncio do histórico degelo e passados apenas dois meses do restabelecimento de relações diplomáticas entre Washington e Havana, o papa viajará para ambos os países em uma visita de grande simbolismo por seu papel nesse processo.

"O que posso fazer com estes dois (países) que estão assim há mais de 50 anos?", se perguntou o pontífice em janeiro de 2014, segundo revelou a jornalistas em julho deste ano, quando retornava da viagem a Bolívia, Equador e Paraguai. Segundo ele, seu papel não teve caráter mediador e o mérito foi da "boa vontade" dos países.

Seja como for, esta viagem papal, além da dimensão pastoral, também parece voltada a confirmar o apoio ao bom relacionamento entre Cuba e EUA, que na semana passada realizaram a primeira comissão bilateral e estabeleceram uma agenda de trabalho para iniciar a normalização de laços.

O caminho não é fácil, e tem como principal empecilho o embargo econômico e comercial contra a ilha, política que os dois antecessores de Francisco condenaram durante suas visitas a Cuba. A expectativa é que o atual pontífice faça o mesmo que João Paulo 2º, em 1998, e Bento 16, em 2012.

Na visita a Cuba, o papa encontrará um país cuja revolução está prestes a completar 57 anos, que se mantém comunista e onde um Castro, Raúl, está no poder, mas que parece ver cumprida, pelo menos em parte, a famosa frase de João Paulo 2º: "Que Cuba se abra para o mundo e o mundo se abra para Cuba".

Cuba vivenciou nos últimos anos uma progressiva melhora de suas relações internacionais, primeiro com a reinserção continental que culminou em sua inédita presença na Cúpula das Américas de abril, no Panamá, palco da primeira reunião entre Raúl Castro e Barack Obama.

A ilha também negocia com a UE (União Europeia) um acordo de diálogo político e cooperação que permita superar a restritiva "posição comum" que Bruxelas aplica a Havana desde 1996 e que condicionou as relações a avanços democráticos no país.

Outro marco é o papel de Cuba como fiador e sede do processo de paz entre o governo colombiano e a guerrilha das Farc, que desde 2012 tentam encerrar o confronto armado mais antigo da América Latina.

A nova era com os EUA colocou Cuba em voga, como refletem as contínuas visitas de líderes e personalidades à ilha: o secretário de Estado americano, John Kerry, para abrir formalmente a embaixada de seu país; o presidente da França, François Hollande, e os ministros de Relações Exteriores de Alemanha e Japão, entre outros.

O interesse internacional por Cuba também tem a ver com as reformas econômicas e sociais empreendidas nos últimos cinco anos para "atualizar" seu socialismo e que simbolizaram uma abertura controlada à iniciativa privada, a flexibilização migratória e novas regras de jogo para investidores estrangeiros.

Mais de 500 mil cubanos exercem o trabalho autônomo atualmente, o que gerou um emergente setor privado e milhares de pequenas empresas no país, embora só possam operar em um número limitado de atividades econômicas.

Outra das reformas mais bem-sucedidas do governo de Raúl Castro foi a eliminação das proibições vigentes durante décadas para que os cubanos saíssem ao exterior, o que multiplicou as viagens para outros países e facilitou o contato entre as famílias separadas pelo exílio.

Com a necessidade de US$ 2,5 bilhões anuais para manter o modelo econômico sustentável, o país planeja atrair capital estrangeiro com uma nova Lei de Investimento Estrangeiro e seu projeto "estrela" da Zona Especial do Desenvolvimento do Mariel.

Esse novo marco de abertura ao investimento estrangeiro unido às oportunidades abertas na nova era com os EUA dispararam as expectativas de empresas de vários países.

Apesar das reformas, Cuba ainda é questionada por muitos países e organizações no âmbito dos direitos humanos, uma das principais divergências nos processos de diálogo com EUA e União Europeia.

Alguns dissidentes reconhecem que, durante o mandato "raulista", a repressão a críticos e opositores teve um tom de "baixa intensidade", mas denunciam que ainda há detenções arbitrárias sistematicamente, a maioria temporárias, mas às vezes acompanhadas de violência.

Representantes da dissidência consultados pela Agência Efe afirmam que não esperam "milagres" da visita do papa Francisco, mas acreditam que o pontífice defenderá a melhora dos direitos e liberdades na ilha.

O governo de Cuba decidiu na semana passada indultar 3.522 presos devido à chegada do papa Francisco, medida que também foi adotada nas duas visitas papais anteriores.