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Taxa de natalidade de refugiados sírios no Líbano dispara em meio à pobreza

Mulher síria pede esmolas com criança de colo em avenida à beira do mar Mediterrâneo de Beirute - Marcel Vincenti/Colaboração para o UOL
Mulher síria pede esmolas com criança de colo em avenida à beira do mar Mediterrâneo de Beirute Imagem: Marcel Vincenti/Colaboração para o UOL

Kathy Seleme

Em Beirute

16/09/2016 10h01

A ideia de preservar a existência de seu povo, escapar do estresse, da pobreza e da falta de educação são alguns dos fatores por trás da alta taxa de natalidade dos refugiados sírios no Líbano, que é o dobro da dos libaneses, apesar de suas precárias condições de vida.

Os números são significativos: 40 mil bebês sírios nascem por ano no Líbano em uma população de, aproximadamente, 1,5 milhão de pessoas, enquanto ocorrem 70 mil nascimentos entre os 4 milhões de libaneses, de acordo com o diretor-geral do Ministério da Saúde libanês, Walid Ammar.

Segundo Ammar, os nascimentos aumentaram "consideravelmente" desde 2014 e isso pode ser atribuído a "questões culturais vinculadas à pobreza, ignorância e falta de educação". A maioria dos refugiados sírios que vive no Líbano, o lugar do mundo onde eles estão em maior quantidade, reside em campos informais em condições deploráveis.

Nem todos estão registrados como refugiados já que, por razões econômicas, não puderam renovar suas permissões de residência e o governo libanês impôs restrições à entrada de sírios.

Por isso mesmo, os números do Ministério da Saúde não batem com os do Alto Comissário da ONU para Refugiados (Acnur), que documentou em agosto deste ano a presença de 1.033.000 sírios no Líbano, a metade deles menores de idade.

Lisa Abou Khaled, uma das porta-vozes do Acnur, afirmou que sua agência registrou um número menor de nascimentos de bebês sírios no Líbano. Segundo ela, foram 100 mil nascimentos desde o começo do conflito na Síria, em 2011.

Fato é que a grande quantidade de nascimentos entre os refugiados sírios incomoda os libaneses de todas as comunidades religiosas. O receio é de que, se a guerra perdurar, os sírios no Líbano poderão superar o número de libaneses em seu próprio país.

Muitos sírios não entendem a preocupação que seu desejo de ter tantos filhos provoca nos libaneses. Um exemplo disso é Kadiche, uma refugiada síria que passa o dia pedindo esmola em uma rua de Beirute ao lado de seus cinco filhos.

O papel da mulher não é perpetuar a espécie? Além do mais, apesar da nossa vida não ser um mar de rosas, não podemos nos privar do único prazer que nos resta e mostrar que continuamos sendo desejadas", disse.

Para a socióloga libanesa Ugarit Lubnan, cofundadora da Universidade Acadêmica da Não Violência e dos Direitos Humanos (AUNOHR, sigla em inglês), a vida sexual em plena atividade e a vontade de procriar são compreensíveis em situações de conflito.

"Uma situação de angústia extrema se reflete na intimidade e durante uma situação de guerra a vida sexual se intensifica. É uma forma de se aproximar do outro e dar a impressão de que é possível fazer algo por si mesmo, sobretudo no seio da família", disse.

Segundo Lubnan, o grande número de nascimentos entre os refugiados sírios é um "reflexo da sociedade", que procura desta forma um alento perante "uma situação de perda total" em meio a normas morais que marcam o islã.

"Em uma guerra, o ser humano tem que mostrar que tem poder sobre a vida e faz isso através da procriação, perpetuando seu povo, já que as crianças são uma compensação e assim conservam certa esperança frente à morte", afirmou a socióloga.

Este último ponto é o fator mais importante que explica a alta taxa de natalidade entre esse grupo, na visão do xeque Mohamad Nokari, juiz e professor universitário, que argumenta que, com isso, se procura "substituir o grande número de mortos na guerra".

Nokari disse que outras razões são a poligamia e os casamentos precoces, que se devem "mais à tradição e aos costumes do que à religião".

"O islã não proíbe uso de métodos contraceptivos e nada impede que uma família limite o número de filhos", destacou o xeque, que atribui esta situação à pobreza.

Grande parte dos refugiados procede de zonas rurais. Para eles, um filho é "uma mão de obra suplementar e uma fonte de renda", enquanto os casamentos precoces significam "uma boca a menos para comer", lamentou.

Isto, somado aos recursos limitados e aos obstáculos impostos pelo governo libanês, faz com que, segundo um recente relatório da organização Human Rights Watch (HRW), mais da metade das cerca de 500 mil crianças sírias em idade escolar registradas no Líbano não frequentem o colégio, afastando, dessa forma, qualquer possibilidade de conquistar um futuro melhor.