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Ex-capitão do Bope: 'É arcaico' pensar que, sem prevenção, só a polícia vai melhorar a segurança pública

Paulo Storani, ex-capitão do Bope e antropólogo  - Reprodução/paulostorani.com.br
Paulo Storani, ex-capitão do Bope e antropólogo Imagem: Reprodução/paulostorani.com.br

23/07/2020 11h06

Dados da Polícia Federal divulgados nesta semana indicam que o registro de armas de fogo pela população civil cresceu 601% nos últimos dez anos no Brasil. Em entrevista à RFI, o capitão veterano do Bope (Batalhão de Operações Especiais) Paulo Storani, que também é antropólogo e consultor de segurança, avalia que a alta reflete o aperfeiçoamento da regulamentação do comércio de armamentos, depois do referendo do desarmamento, realizado em 2005.

Só no ano passado, o aumento foi de 64% em relação ao ano anterior, depois de medidas de flexibilização do porte de armas adotadas pelo governo federal. O Brasil já conta com mais armas nas mãos da população civil (550 mil) do que da polícia e outros órgãos oficiais de controle (341,3 mil).

"O que muda hoje é que você adquire uma arma dentro de um sistema controlado pelo Exército brasileiro. Antes do referendo, havia a comercialização, mas não havia nenhum controle. Era muito comum a aquisição de armas ilegais no Paraguai. Hoje, quem faz isso são só os criminosos e traficantes de armas", afirma Storani, ressaltando que a legislação brasileira sobre o tema "é uma das mais modernas do mundo", com duras exigências para a compra de um revólver, como teste psicológico e curso de tiro.

O consultor reconhece que uma parcela dessas armas adquiridas por civis pode acabar nas mãos de criminosos durante ações como assaltos, mas avalia que esse tipo de efeito colateral não acontece na proporção evocada pelos militantes do desarmamento. Storani afirma que, desde que a compra legal do instrumento passou a aumentar, o número de invasões de domicílio caiu.

Situações de estresse

"Por mais que você treine, o momento em que ocorre [um assalto], as circunstâncias que envolve, sempre vão influenciar. Falar que basta o curso de tiro para estar na plenitude da sua capacidade, sem dúvida a resposta é não", sublinha o ex-policial, que atuou por 17 anos no Rio de Janeiro. "Lidar com situação de estresse exige um treinamento peculiar. Sou mestre de tiro e precisei de um curso de operações especiais para me sentir confortável para atuar em situações de risco com arma de fogo."

Ainda assim, o antropólogo e consultor em segurança defende que, "se o Estado não tem como proteger a população, é direito dela se proteger".

"A questão é que faltou mais responsabilização daquele que usar a sua arma para fins diversos que não a sua proteção. Falo aqui da violência doméstica, brigas entre vizinhos", argumenta Storani, um dos policiais que inspiraram o filme Tropa de Elite, de José Padilha (2007).

Segurança pública não se resolve só com mais polícia

Questionado sobre a avaliação que faz da política pública de segurança do governo federal — uma das principais bandeiras do candidato Jair Bolsonaro (sem partido) —, o capitão veterano analisa que, há muitos anos, a prevenção do crime é ignorada pelos diferentes ocupantes do Palácio do Planalto.

"A segurança pública foi pensada por mudanças no modelo policial. É arcaico, atrasado", afirma. "A polícia é responsável, mas a segurança pública é muito mais do que isso: envolve o sistema judiciário, o sistema penal e um outro sistema que vai muito além, de ações preventivas, em especial em ações que geram o crime e a violência."

O capitão veterano destaca que o problema da violência não será resolvido com apenas uma medida, em especial as que operam nas consequências do crime, como aumento das penas ou dos efetivos policiais. "Agir assim é atuar na consequência. O que falta hoje é atuar na causa, de responsabilidade dos municípios e estados, principalmente junto às populações mais vulneráveis, os jovens e menores", sustenta.

Ele defende, ainda, que a construção de mais presídios no Brasil não deveria ser um tabu, como é hoje. Storani alega que, com o sistema prisional atual, que recebe uma população carcerária duas vezes maior do que a capacidade, as prisões não conseguem cumprir o papel regenerador dos condenados. "Elas têm que preservar uma situação digna para ele poder cumprir a sua pena, inclusive trabalhando. Isso também é prevenção, ao dar condições para o apenado não reincidir [quando for solto]", diz o consultor.