O Líbano abalado pelo enfrentamento entre sunitas e xiitas
A população libanesa está em transe. O primeiro-ministro Saad Hariri, convocado pelo governo da Arábia Saudita, foi à TV de Riad declarar que renunciava ao seu cargo. Sem governo, o Líbano está dividido entre a perplexidade e a indignação. O trâmite constitucional e a soberania política libanesa obrigam Hariri a comunicar sua renúncia em Beirute, diretamente ao presidente do país, Michel Aoun.
Neste sábado (11), o presidente Aoun solicitou oficialmente à Arábia Saudita "esclarecimentos sobre as razões" que impedem Saad Hariri de voltar a Beirute. O regime parlamentarista do Líbano é consociativo, assegurando a representatividade das comunidades antagônicas do país. A Constituição e os acordos constitucionais preveem que o presidente (Michel Aoun, eleito indiretamente pelo Parlamento) seja um cristão maronita, que o primeiro-ministro (Saad Hariri) represente a comunidade muçulmana sunita e que o presidente do Parlamento seja um muçulmano xiita. Este complicado edifício constitucional é regularmente abalado pelos conflitos que atravessam o Oriente Médio desde a partilha territorial organizada pelos vencedores da Primeira Guerra Mundial.
A explicação imediata sobre a presença forçada de Hariri em Riad, assimilada a um sequestro por muitos libaneses e editorialistas internacionais, tem a ver com a situação pessoal do ex-primeiro-ministro e a política interna libanesa. Saad Hariri tem a dupla nacionalidade libanesa e saudita e grandes negócios nos dois países e está passando por dificuldades financeiras na Arábia Saudita. Segundo um jornal libanês xiita citado pelo "Le Monde", Mohammed Ben Salman (chamado pelos libaneses de MBS), o príncipe herdeiro que dá as cartas agora na Arábia Saudita, convocou Hariri em Riad, mostrou-lhe faturas de suas firmas e o obrigou a abandonar o cargo de primeiro-ministro do Líbano.
Na verdade, a Arábia Saudita, aliada dos sunitas libaneses, avalia que Hariri tem sido ineficaz no controle da influência dos xiitas, e em particular, do partido-milícia libanês xiita, o Hezbollah. Com um braço político associado ao governo de Hariri, e com um braço militar que combate na Síria ao lado do governo de Assad e das forças aliadas aos russos e aos iranianos, o Hezbollah é rival das forças sunitas apoiadas pelos sauditas e os americanos na guerra contra o Estado Islâmico, formado por sunitas radicais.
Nas últimas semanas, foram sobretudo os contingentes militares xiitas ligados aos iranianos e o Hezbollah que avançaram no território do Estado Islâmico. Enfraquecidos na Síria, os sauditas procuram dar o troco no próprio Líbano. É provável que a virada política que favoreceu a ascensão de MBS em Riad também tenha a ver com a derrota que os sauditas sofreram, indiretamente, nas batalhas da Síria.
Aparecendo na superfície como um conflito religioso entre sunitas e xiitas, a ruptura em curso no Oriente Médio vai além da rivalidade crescente entre a Arábia Saudita e o Irã, entre os árabes e os persas. Como observa Christophe Ayad, o editor da área Oriente Médio do "Le Monde", a Arábia Saudita, os Emirados Árabes, os Estados Unidos e Israel estão formando uma aliança inédita contra o Irã, que é apoiado pela Turquia e pela Rússia. Para além de sua complexidade, a demissão de Saad Hariri é o prenúncio de conflitos que mergulham o Oriente Médio numa conjuntura de grande perigo.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.