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O Líbano abalado pelo enfrentamento entre sunitas e xiitas

O primeiro-ministro Saad Hariri renunciou ao cargo no dia 4 - Mohamed Azakir - 04.nov.2017/Reuters
O primeiro-ministro Saad Hariri renunciou ao cargo no dia 4 Imagem: Mohamed Azakir - 04.nov.2017/Reuters

12/11/2017 16h37

A população libanesa está em transe. O primeiro-ministro Saad Hariri, convocado pelo governo da Arábia Saudita, foi à TV de Riad declarar que renunciava ao seu cargo. Sem governo, o Líbano está dividido entre a perplexidade e a indignação. O trâmite constitucional e a soberania política libanesa obrigam Hariri a comunicar sua renúncia em Beirute, diretamente ao presidente do país, Michel Aoun.

Neste sábado (11), o presidente Aoun solicitou oficialmente à Arábia Saudita "esclarecimentos sobre as razões" que impedem Saad Hariri de voltar a Beirute. O regime parlamentarista do Líbano é consociativo, assegurando a representatividade das comunidades antagônicas do país. A Constituição e os acordos constitucionais preveem que o presidente (Michel Aoun, eleito indiretamente pelo Parlamento) seja um cristão maronita, que o primeiro-ministro (Saad Hariri) represente a comunidade muçulmana sunita e que o presidente do Parlamento seja um muçulmano xiita. Este complicado edifício constitucional é regularmente abalado pelos conflitos que atravessam o Oriente Médio desde a partilha territorial organizada pelos vencedores da Primeira Guerra Mundial.

A explicação imediata sobre a presença forçada de Hariri em Riad, assimilada a um sequestro por muitos libaneses e editorialistas internacionais, tem a ver com a situação pessoal do ex-primeiro-ministro e a política interna libanesa. Saad Hariri tem a dupla nacionalidade libanesa e saudita e grandes negócios nos dois países e está passando por dificuldades financeiras na Arábia Saudita. Segundo um jornal libanês xiita citado pelo "Le Monde", Mohammed Ben Salman (chamado pelos libaneses de MBS), o príncipe herdeiro que dá as cartas agora na Arábia Saudita, convocou Hariri em Riad, mostrou-lhe faturas de suas firmas e o obrigou a abandonar o cargo de primeiro-ministro do Líbano.

Na verdade, a Arábia Saudita, aliada dos sunitas libaneses, avalia que Hariri tem sido ineficaz no controle da influência dos xiitas, e em particular, do partido-milícia libanês xiita, o Hezbollah. Com um braço político associado ao governo de Hariri, e com um braço militar que combate na Síria ao lado do governo de Assad e das forças aliadas aos russos e aos iranianos, o Hezbollah é rival das forças sunitas apoiadas pelos sauditas e os americanos na guerra contra o Estado Islâmico, formado por sunitas radicais.

Nas últimas semanas, foram sobretudo os contingentes militares xiitas ligados aos iranianos e o Hezbollah que avançaram no território do Estado Islâmico. Enfraquecidos na Síria, os sauditas procuram dar o troco no próprio Líbano. É provável que a virada política que favoreceu a ascensão de MBS em Riad também tenha a ver com a derrota que os sauditas sofreram, indiretamente, nas batalhas da Síria. 

Aparecendo na superfície como um conflito religioso entre sunitas e xiitas, a ruptura em curso no Oriente Médio vai além da rivalidade crescente entre a Arábia Saudita e o Irã, entre os árabes e os persas. Como observa Christophe Ayad, o editor da área Oriente Médio do "Le Monde", a Arábia Saudita, os Emirados Árabes, os Estados Unidos e Israel estão formando uma aliança inédita contra o Irã, que é apoiado pela Turquia e pela Rússia. Para além de sua complexidade, a demissão de Saad Hariri é o prenúncio de conflitos que mergulham o Oriente Médio numa conjuntura de grande perigo.