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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula mostrou a Bonner por que a polarização não é ameaça à democracia

15.ago.2022 - Lula em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo - Reprodução/TV Globo
15.ago.2022 - Lula em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo Imagem: Reprodução/TV Globo

Colunista do UOL

26/08/2022 18h01

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Na entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Jornal Nacional, além das velhas questões repetidas pela imprensa contra o PT ao longo dos anos (corrupção, medo do MST e apoio a ditaduras mundo a fora), esteve presente a mais nova tecla a ser batida insistentemente por colegas jornalistas: a falsa ideia de que a polarização incentivada por Lula e outros petistas lançou a política no abismo.

Nesta sentença, há duas inverdades que, finalmente, Lula conseguiu responder ante a insistência de William Bonner —o candidato do PT à Presidência da República negou tanto o perigo da polarização quanto a sua responsabilidade no acirramento do ódio político.

"A polarização não faz mal à política", defendeu com razão o ex-presidente.

Entre grupos que se encontram entre polos políticos opostos, além de possibilidade de respeito, deve haver uma série de outros atores que se movimentam em diferentes formas de diálogo e pressão.

Assim, a política, como arte do convencimento e da busca do consenso, age para que se estabeleça o equilíbrio entre as propostas defendidas pelos polos e a situação tenderá mais ora para um lado, ora para outro.

Fora que o PT, que governou o país por quase 13 anos, demonstrou muito mais uma face conciliadora e acomodadora de diferentes interesses, incluindo os menos progressistas. Se não fosse assim, não haveria tantas críticas e até afastamento por parte daqueles que historicamente cobraram atitudes mais à esquerda, como os movimentos negros, sindicais, ambientalistas, indígenas e de lutas pela terra.

Como afirmou Lula, a polarização anima a política, atiçando os militantes a erguerem suas bandeiras em defesa de ideais. Feliz era o Brasil polarizado entre PT e PSDB nas campanhas após a redemocratização, cabendo a quem perdeu o pleito, o respeito à decisão da urna e à efetiva ação de oposição, dentro dos limites democráticos e de civilidade.

"Eu podia tomar uma cerveja com FHC", ilustrou Lula.

Outra falsa ideia é a responsabilização de Lula pelo extremismo violento que o país presencia nessas eleições. Afirmar que o candidato do PT, ao estimular seus correligionários à disputa política eleitoral, contribuiu para o clima de tensão antidemocrática que temos hoje, além de falsear a realidade, ameniza a responsabilização do verdadeiro culpado.

Basta de falsa simetria. Nada se compara ao esquema criminoso de distribuição de hostilidades e estímulo à violência das milícias digitais, que seguem os discursos de ódio do presidente Jair Bolsonaro (PL). O bolsonarismo, sim, é o grande prejuízo à democracia. Não a polarização.

Não há como negar o populismo e personalismo que rondam as estratégias políticas de Lula e dão sentido a críticas de que a esquerda está limitada a crer que uma única figura está apta a ocupar o cargo máximo da nação. Há também muito de idolatria entre petistas e apoiadores mais fervorosos que não conseguem admitir a menor crítica ao líder.

Mas nada disso se compara às práticas de intolerância e ódio que marcam a presença de Bolsonaro na política. Os discursos bélicos contra os inimigos, os xingamentos aos grupos politicamente minorizados, as ameaças de eliminação, o símbolo armamentista com a mão, até nos dedinhos de uma criança. Tudo isso —somado a falas golpistas contra autoridades e à própria dinâmica eleitoral — consolidou o terror que ronda as eleições deste ano.

Ódio levou a mortes

O guarda municipal de Foz do Iguaçu (PR) Marcelo Aloizio de Arruda, assassinado em sua festa de aniversário de 50 anos com temática petista, não foi a única vítima do ódio político.

O mestre de capoeira, percussionista, compositor, artesão e educador cultural Moa do Katendê (Romualdo Rosário da Costa), 63, foi assassinado em Salvador em outubro de 2018, com 12 facadas, após declarar voto no PT nas eleições.

O autor confesso do crime, Paulo Sérgio Ferreira de Santana, eleitor de Bolsonaro, admitiu que a briga foi motivada por divergência política. Ele foi condenado a 22 anos e um mês de prisão pelo crime de homicídio doloso.

Depois de duas mortes motivadas explicitamente pelo discurso e práticas bolsonaristas, a imprensa não pode continuar insistindo em igualar isso aos modos políticos das esquerdas.