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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Torcida da Argentina cantará música racista e transfóbica na final da Copa?

Mbappé comemora gol da França contra a Polônia na Copa do Mundo. - KIRILL KUDRYAVTSEV/AFP
Mbappé comemora gol da França contra a Polônia na Copa do Mundo. Imagem: KIRILL KUDRYAVTSEV/AFP

Colunista do UOL

17/12/2022 15h44

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Ainda no início da competição, um grupo de torcedores da Argentina, finalista da Copa do Mundo 2022, chamou atenção negativamente por cantarem, em uma entrevista ao vivo, uma música racista e transfóbica em provocação à seleção francesa.

Além de tentar fazer graça com a origem africana dos jogadores franceses, a babaca canção inventada pelos torcedores sul-americanos fazia uma menção preconceituosa ao suposto namoro do atacante Kylian Mbappé com a modelo trans Ines Rau, numa mistura abominável de racismo, xenofobia e transfobia.

Não há justificativa na rivalidade e clima de euforia que o futebol desperta para brincar com discriminações que geram violência, guerras e morte pelo mundo, por origem, cor da pele, identidade de gênero ou orientação sexual. Fazer piada com crimes à humanidade é tão criminoso quanto.

Parece que os péssimos torcedores deste grupo (minoria, espera-se) já imaginavam que a França seria o principal obstáculo a ser superado para o tão sonhado tricampeonato argentino.

Torcedores argentinos cantam música racista e transfóbica no Qatar; veja..

A dúvida que fica é se esses torcedores da Argentina cantarão a música racista e transfóbica na final da Copa do Qatar 2022?

Será que na Copa do Mundo há espaço para convivência com comportamentos reprováveis como este?

Final da Copa terá a multiétnica França conta La Albiceleste

Na partida final deste domingo, 18, estarão em disputa a multicultural seleção francesa, composta por 15 dos 21 jogadores com dupla nacionalidade, contra La Albiceleste, uma das poucas seleções nesta Copa do Mundo a não ter jogadores negros, mestiços ou não branco em sua escalação.

A ausência de diversidade no time argentino pode ter estimulado o canto preconceituoso do grupo de torcedores, afinal ainda há quem acredita na eugenista ideia de "raça superior", mesmo no futebol, esporte que já fez brilhar ídolos de pele retinta como o Rei Pelé.

Foi essa a expressão, "raça superior", que o ex-presidente da Argentina, Mauricio Macri, utilizou em uma entrevista à TV argentina para se referir aos jogadores alemães e justificar o favoritismo deles ao título mundial.

Contudo, mesmo a Alemanha escalou jogadores não brancos para o mundial deste ano.

Na tão criticada Copa do Mundo do Catar, com explícitos flagrantes de desrespeito aos direitos humanos, houve espaço para protestos e afirmações identitárias. Houve também o inédito desempenho da seleção de Marrocos, eliminando times europeus como Portugal e Espanha e fazendo, de forma inédita, com que uma seleção africana fique entre as quatro melhores deste mundial.

Nunca é somente futebol e não há como ignorar as tensões históricas e geopolíticas existentes quando se tenta unir em um mesmo evento diferentes países deste desigual mundo de dominações coloniais e imperialismos genocidas.

Consequências do colonialismo explicam populações da Argentina e da França

França e Argentina, que se enfrentam na final do mundial, possuem composições populacionais marcadas pelas consequências do modelo europeu de dominação do mundo que teve seu auge entre os séculos XV e XVI, mas que deixou sua estrutura fincada e suas colonialidades preservadas.

O racismo estrutural do Brasil é um exemplo evidente das marcas deixadas pelo colonialismo. Mas o nosso país já está fora desta Copa, por isso, voltamos o foco aos finalistas.

O mesmo colonialismo que proporcionou o extermínio dos povos originários das Américas, que sequestrou africanos e trouxe para o trabalho forçado no continente americano, depois tratou de eliminá-los da composição populacional de países como a Argentina (negros são menos de 0,3% da população argentina).

Esse mesmo colonialismo, que permitiu que a França, junto a outras nações europeias, explorasse riquezas naturais e humanas dos países da África, atraiu cidadãos africanos para o trabalho e melhores condições de vida na Europa e hoje, seus filhos formam a multiétnica seleção francesa de futebol.

É indiscutível como essa diversidade gera riqueza. É assim em toda natureza e na condição humana. A seleção francesa campeã de 2018 já exibia a força dos craques com dupla nacionalidade, especialmente os de origem africana. Aliás, no primeiro título da França, em 1998, o principal jogador foi Zinédine Zidane, de ascendência argelina.

Reunir jogadores de origens étnicas diversas não é nenhuma garantia de êxito esportivo. Mas exaltar pureza racial e tentar fazer graça com preconceito e xenofobia é a pior bola fora para qualquer país.

Que vença a melhor seleção, e que a vencedora esteja comprometida com o fim das várias formas de racismo e desigualdades entre as nações. Copa do Mundo também pode servir para difundir essa mensagem.