André Santana

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Opinião

'PL do Estuprador' institucionaliza violência contra meninas e mulheres

No país que registra mais de 56 mil denúncias de estupro de vulneráveis por ano, a aprovação do Projeto de Lei 1904/24, que equipara a interrupção da gravidez fruto de estupro ao homicídio, com pena de reclusão de 20 anos para a vítima, é a institucionalização da violência sexual contra mulheres e meninas no Brasil.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, são 153 casos registrados por dia (seis a cada hora) de estupro contra menores de 14 anos ou sem discernimento no momento para se defender desse crime.

Somente um Congresso formado 80% por homens - muitos eleitos pelos discursos religiosos, armamentistas, conservadores, contra direitos humanos e igualdade entre os gêneros - para naturalizar que o estuprador pode ter uma punição menor do que a mulher vítima do estupro.

Ainda segundo o Fórum, mais de 85% dos estupros de vulnerável de crianças de até 13 anos são cometidos por conhecidos. O crime se aplica a situações em que a vítima é menor de 14 anos ou sem discernimento no momento para se defender do crime.

Projeto criminaliza meninas e mulheres pobres das periferias

O projeto criminaliza crianças e adolescentes, que representam mais de 60% das vítimas de violência sexual.

Ou seja, são meninas que serão obrigadas a se tornarem mães após a violência sofrida ou que correrão o risco de serem presas ou morrerem em processos clandestinos de aborto. Óbvio, assim como toda a miséria no Brasil, que as principais vítimas do PL do estuprador têm cor, classe e moradia definida.

Os abortos continuarão a ser realizados em locais bem estruturados, com o menor risco à vida das mulheres que podem pagar pelos serviços. Não é estranho supor que algum parlamentar que vocifera contra o aborto já tenha desembolsado quantias para preservar a vida de alguma pessoa querida ou para camuflar uma gravidez que desonraria a imagem de pai de família e cidadão de bem.

O PL, que teve aprovado o regime de urgência para apreciação na calada da noite do dia 12, também condena por homicídio a interrupção da gravidez de anencefálicos ou quando a gestação coloca em risco a vida da mãe.

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Ou seja, o argumento de que os deputados querem proteger a vida é falso. O que se quer é a naturalização da morte de meninas e mulheres já cotidianamente violentadas pelo machismo e patriarcado.

Deputados deveriam ter urgência em combater o feminicídio

É mais uma ameaça à vida e à dignidade feminina neste país em que atletas condenados por violência contra mulher continuam heróis nacionais, cantor que agrede esposa continua com cachês milionários pagos pelo poder público e até políticos com graves acusações de violência doméstica presidem casas legislativas.

Os nobres deputados não estão interessados em proteger a vida daquelas que resistem diariamente às tentativas de terem suas existências ceifadas, seja pelo silenciamento, exclusão de direitos, violências físicas e psicológicas ou com o assassinato.

Se estivessem mesmo preocupados em preservar vidas, os parlamentares votariam, em regime de urgência, projetos de lei que eliminassem essa escala de estupros no país e combatessem o assassinato frequente de mulheres.

Qual a proposta apresentada neste sentido por esses que agora se dizem defensores da vida?

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Ainda de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, somente em 2023, 1.422 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, ou seja, uma média de quatro mulheres por dia mortas pela condição de serem mulheres.

PL acelera no Brasil o Estado teocrático

Tanto os estupros quanto os feminicídios ainda são subnotificados, mas o que os levantamentos comprovam é que ambos os crimes são cometidos, na maior parte das vezes, no ambiente doméstico, sendo o agressor um homem conhecido que goza da confiança da menina ou da mulher, o que torna a brutalidade ainda pior.

A decisão do Congresso Federal, impulsionada por motivações religiosas, escancara os perigos da confusão proposital cada vez mais crescente entre o espaço político, os princípios religiosos e a ganância por dinheiro e poder. É inadmissível que o país continue elegendo líderes religiosos que se utilizam da fé e da ignorância para destruir a laicidade do Estado brasileiro.

Se continuar assim, ao invés das leis do país defenderem a vida de todos os brasileiros, bem como a liberdade e os direitos fundamentais, a nação será regida por ideais teocráticos, nas mãos de falsos profetas que já provaram estarem longes dos valores humanistas e cristãos. Ao contrário, muitos deles estão a estampar acusações desprezíveis, incluindo estupros e violência contra mulheres.

A PL que beneficia estupradores e obriga meninas e mulheres a parirem o fruto do estupro é uma violência institucional contra as brasileiras e contra o Brasil.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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