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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Miss Alemanha no BBB e Deusa do Ilê Aiyê: beleza negra é protagonista na TV

Domitila Barros é a primeira mulher negra a vencer o Miss Alemanha - Reprodução/ Instagram
Domitila Barros é a primeira mulher negra a vencer o Miss Alemanha Imagem: Reprodução/ Instagram

Colunista do UOL Notícias

22/01/2023 04h00

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O BBB 23 estreou esta semana com recorde de participantes negros.

Há pretos e pretas de diferentes origens, profissões, posicionamentos e temperamentos, em uma diversidade muito salutar para o entretenimento que o público espera.

Não vou me atrever a contar os participantes negros porque na primeira tentativa já fui corrigido.

Ao comentar em um grupo que, nesta edição, havia dois Freds, um branco e outro negro, fui advertido que um deles, influencer famoso pelo canal Desimpedidos (que na verdade se chama Bruno, mas a internet está chamando de 'Boco Roso'), também entrava na conta dos afrobrasileiros.

Ele seria "sarará", me disseram: o tipo de pele clara e cabelo crespo, fruto de relações interraciais. Soube, inclusive, que a mãe dele é negra.

Colorismo e passabilidade nas relações raciais do Brasil

As misturas étnicas que formaram a população brasileira geraram um processo de colorismo entre os chamados pretos e pardos, com várias tonalidades de cor de pele.

Até aí não teria problema, já que a diversidade é uma condição natural da raça humana, semelhante ao que ocorre entre os animais e entre as plantas. Uma oportunidade para termos estéticas diferentes, fora de um padrão único.

Contudo, o racismo que estrutura a nossa sociedade também organiza os níveis de aceitação e oportunidades para as pessoas a partir da tonalidade da pele e de traços da fisionomia, como a textura do cabelo, o tamanho do nariz e dos lábios etc.

Na pigmentocracia brasileira, quanto mais claro, mais aceito. Quanto mais preto, mais discriminado e excluído.

Alguns usam sua passabilidade para circular por um ou outro lado, a partir dos benefícios que podem obter. As fraudes nos processos seletivos com cotas raciais são prova disso. Assim como também acontece com os negros que se inserem no mundo branco da moda e da publicidade por seus traços finos e a pele não retinta.

Pretos do BBB23 - Reprodução - Reprodução
No elenco deste ano: a jornalista e modelo de Angola, Tina; o médico e apresentador, Fred Nicácio e a ativista e modelo Domitila Barros
Imagem: Reprodução

A questão é complexa. Tanto que nesta edição do BBB já surgiram autoidentificações como "moreno de praia" ou "preto de pele clara", que movimentaram (e irritaram) as redes sociais em poucos dias de programa.

A temática merece atenção e já conta com ricos aprofundamentos por parte de intelectuais como Sueli Carneiro, Muniz Sodré, Frantz Fanon e ainda Alice Walker, a quem é atribuído o uso inaugural do termo colorismo, em obra de 1982.

Mas esse texto aqui não é para problematizações. É de superfície, como deve ser a audiência de programas como o BBB. Nem concordo com o inteligente e talentoso ator Ícaro Silva, nem considero um "entretenimento medíocre", mas também não dá para tornar a atração o foco central para discutir a sociedade brasileira ou, pior, para entender as complexas relações raciais que historicamente estruturam esse país.

Na superfície, o BBB proporciona um desfile diário, na televisão e em todas as redes sociais, de tipos variados de brasileiros, cada qual a sua maneira, tentando viver com os privilégios ou entraves encontrados no caminho e que sonham com os benefícios da exposição demasiada que o programa proporciona.

No BBB cabem muitos brasis.

Este texto é apenas para apontar que, finalmente, o programa tem dado espaço para pessoas negras na proporcionalidade e diversidade que elas representam na população brasileira.

Uma oportunidade para que pretos e pretas possam ser vistos em suas diferentes belezas, sendo admirados e desejados, com todos os riscos que essa exposição oferece.

Entre as participantes negras do BBB 23, a Miss Alemanha 2022

Antes do Brasil, a Alemanha já havia legitimado a beleza de uma das participantes negras do BBB 23.

A modelo e ativista pernambucana Domitila Barros foi eleita a Miss Alemanha 2022. Em 100 anos de concurso, Domitila foi a primeira negra e imigrante a colocar a faixa de mulher mais bonita daquele país europeu.

O BBB 23 segue uma tendência que se observa na televisão, em especial na Rede Globo, de ampliar a presença de pessoas negras em suas produções. Parece que somente agora a emissora resolveu se atentar para algo tanto reivindicado e criticado ao longo dos anos.

Óbvio que há razões comerciais nesta atitude, mas não podemos desprezar a pressão gerada pela tomada de consciência da população negra, cada vez mais exigente por direitos e representatividade.

Finalmente, a beleza negra é destaque no horário nobre da televisão brasileira.

Além do BBB23, o protagonismo negro pode ser visto no jornalismo e nas telenovelas. Atualmente todas as produções inéditas em exibição na Globo contam com atores e atrizes negras em destaque.

Já falamos aqui do galã Paulo Lessa, da novela Cara e Coragem, e do ineditismo do casal negro que ele interpretou junto com a atriz Thaís Araújo, cujo final feliz proporcionou uma cena de amor negro que não lembro ter visto após anos assistindo telenovelas.

A novela acabou e já foi substituída por outra trama cheia de belos rostos negros, incluindo o casal protagonista formado pela atriz Sheron Menezzes e Samuel de Assis.

Filme retrata importância do concurso da Deusa do bloco afro Ilê Aiyê

Para celebrar esse momento em que a beleza negra ganha evidência, será exibido nesta segunda-feira, 23, na sessão Tela Quente, o filme Beleza da Noite, já disponível na plataforma Globoplay.

Com roteiro de Gildon Oliveira e direção de Cecília Amado e Dayse Porto, o filme é uma homenagem a uma das iniciativas mais importantes para a valorização da beleza de mulheres negras do Brasil: o concurso da Deusa do Ébano do bloco afro Ilê Aiyê, entidade criada em Salvador, em 1975.

Larissa Luz no filme Beleza da Noite - Divulgação - Divulgação
Larissa Luz no filme Beleza da Noite, que será exibido nesta segunda-feira, 23, na Tela Quente
Imagem: Divulgação

Quando o racismo ainda ditava que preto não tinha alma, que dirá beleza, que cabelos crespos eram ruins e que pessoas de pele retinta não podiam desfilar no centro do Carnaval, o Ilê Aiyê convocou toda população negra, maioria em Salvador, a conhecer sua história, elevar sua autoestima e disputar os espaços na folia, mas também na mídia, na política e demais áreas de poder.

Todos os anos, jovens de pele preta, que não encontram referências com seus traços físicos estampando editoriais de moda ou campanhas publicitárias, encontram um espaço para elevação da autoestima e reconhecimento da beleza que há em suas origens africanas.

Além de escolher a mais bela representação do bloco para desfilar no Carnaval de Salvador, o concurso leva em consideração a consciência racial e o pertencimento comunitário da candidata. Assim, não basta "desejar a paz mundial", é preciso compreender o processo colonial que se empenhou em apagar as contribuições de pessoas negras, retirando-lhes a humanidade e atributos positivos como a beleza.

Na trama, protagonizada pela atriz, cantora e apresentadora, Larissa Luz, há uma diversidade de mulheres negras em cena, de idades e corpos diferentes, todas belas e talentosas como Edvana Carvalho, Fernanda Silva, a pequena Mayana Aleixo e outras que tornam o filme uma alegria para os olhos (no caso dos meus, marejados de emoção).

Para entender a importância de um concurso como o da Deusa do Ébano e de celebramos as belezas negras que desfilam no BBB 23, vale muito a pena acompanhar, no filme Beleza da Noite, o esforço de uma mãe (e toda uma comunidade) em apresentar referências positivas para a sua filha de sete anos, que prefere bonecas loiras, de cabelos lisos.

Enquanto os meios de comunicação, em especial a televisão, não naturalizarem presenças negras, valorizando a diversidade estética que há em pessoas pretas, estaremos contando nos dedos uma maior representatividade no BBB. Mas certos de que, na Noite da Beleza Negra do Ilê Aiyê, reis e rainhas da pele da cor da noite serão coroados, por nossa própria conta.

Tomem nota: No próximo dia 28 de janeiro, na Senzala do Barro Preto, no bairro do Curuzu, em Salvador, o Ilê Aiyê realiza mais uma edição do concurso. A novidade e avanço deste ano: entre as 14 finalistas ao título de Deusa do Ébano, está Laís Fennel, de 26 anos, uma mulher trans.