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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A Bahia não é suja nem pichada. Sobre insegurança, Rui Costa pode responder

14.fev.2021 - O Pelourinho, no centro histórico de Salvador (BA), é um dos principais cartões portais e destino dos turistas que visitam a cidade - San Júnior/Uai Foto/Estadão Conteúdo
14.fev.2021 - O Pelourinho, no centro histórico de Salvador (BA), é um dos principais cartões portais e destino dos turistas que visitam a cidade Imagem: San Júnior/Uai Foto/Estadão Conteúdo

Colunista em UOL Notícias

12/02/2023 04h00

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A fala preconceituosa do deputado federal Mauricio Marcon (Podemos-RS), que chamou a Bahia de lugar "pichado" e "sujo", revela que o racismo e a xenofobia do bolsonarismo não foram eliminados da política brasileira com as eleições de 2022.

Marcon repete a prática do presidente derrotado, Jair Bolsonaro, e de muitos dos seus apoiadores, de atacar estados governados pela esquerda, especialmente do Nordeste, por meio de ofensas contra a educação e a consciência política dos moradores.

O deputado compara a Bahia ao Haiti e utiliza o argumento do antipetismo para ofender a população do estado, no qual o Partido dos Trabalhadores inicia a quinta gestão consecutiva à frente do governo.

'Lugar sujo': deputado compara Bahia com Haiti e ataca apoiadores de Lula.

É bem possível que o preconceito do deputado contra o estado nordestino existisse independentemente do partido político à frente da gestão. Inclusive porque a observação dele provavelmente ocorreu em visita a Salvador, capital administrada por Bruno Reis, do União Brasil e sucessor de ACM Neto, que governou a cidade por dois mandatos.

A ofensa à Bahia tem como desculpa a crítica ao PT, mas é pura xenofobia. Não há, de fato, nenhuma preocupação com o desenvolvimento econômico do estado e da sua população.

Turismo na Bahia é mesmo preocupante

O fato de ser um estado de potencial turístico, como destacado por Marcon, de fato, não tem garantido à Bahia uma eficiente política nesta área.

A Bahia possui a maior área litorânea do país, com 932 km de praias. Mas também tem áreas de chapadas, montanhas, cachoeiras, belos trechos de rios, como o Rio São Francisco, além do turismo histórico e religioso.

Um dos graves problemas para o desenvolvimento turístico do estado não é a falta de limpeza ou conservação das cidades, mas sim a insegurança.

Nas quatro gestões petistas - duas com Jaques Wagner (2007-20014) e duas com Rui Costa (2015-2022) - não conseguiram frear a escalada de violência na Bahia. O estado figura no topo do ranking de homicídios e mortes violentas, além de ter se tornado destino de organizações criminosas em atuação em outras regiões do Brasil.

A Polícia Militar da Bahia é uma das mais letais do país, tendo como vítimas principais moradores de comunidades pobres atingidos em operações.

Uma das marcas sangrentas da gestão petista na segurança pública é a Chacina do Cabula, que no último dia 6 de fevereiro completou oito anos. Na ocasião, início do governo Rui Costa, 12 jovens, entre 16 e 27 anos, foram executados e outros seis baleados, em um terreno baldio na comunidade, durante uma operação policial. Após investigação, o Ministério Público da Bahia apresentou denúncia contra policiais militares por homicídio qualificado e tentativa de homicídio.

Como já dissemos aqui, confrontos como esse se repetem no cotidiano dos territórios ocupados por pobres e pretos, escancarando uma política de segurança pública falida, que não consegue combater crimes e nem oferecer tranquilidade aos moradores e aos visitantes.

A insegurança, aliada ao aumento do desemprego e da pobreza, impactam diretamente nas atividades turísticas da Bahia. Quem visita o estado para aproveitar as belezas naturais, o patrimônio histórico e cultural e a rica produção artística dos baianos, enfrenta o assédio excessivo de vendedores informais, pedintes e delitos, mesmo nos pontos turísticos.

Setor não é prioridade em gestões petistas

Com mais de 20 anos de experiência no turismo da Bahia, o guia Josuel Queiroz, da agência Olafemi Tours, em entrevista à coluna, conta que o setor turístico não é prioridade para o governo do estado.

Apesar de não concordar com o racismo e xenofobia do deputado bolsonarista, o guia é crítico em relação às ações de turismo nas gestões petistas.

"O PT nunca deu a devida atenção que o turismo merece. Nas escolhas para o ministério ou para as secretarias estaduais aqui na Bahia, nunca é escolhido alguém com experiência e conhecimento do setor, que possa de fato implantar políticas públicas para desenvolver o potencial turístico do país"..

Gafites de Fael_Primeiro(Esquerda)_e_Rebeca_Silva(Direita) no centro comercial de Salvador - Divulgação - Divulgação
Grafite de Fael Primeiro (esquerda) e Rebeca Silva (direita) no centro de Salvador
Imagem: Divulgação

Atuando prioritariamente com o receptivo de visitantes estrangeiros, Josuel Queiroz destaca que Salvador é a porta de entrada para os turistas que visitam a Bahia e que o Centro Histórico, onde está localizado o Pelourinho, é onde mais se percebe o descaso com a atividade turística.

"O problema principal no Centro Histórico é a sensação de insegurança. O turista sofre com o assédio de vendedores e pedintes, incluindo crianças em situação de mendicância. Um cenário muito triste para os visitantes". O guia revela que os estrangeiros são ainda mais vulneráveis.

Nas redes sociais, alguns casos ganharam notoriedade como o do turista carioca Kadu Pacheco que, ano passado, relatou em stories o assédio sofrido no Farol da Barra, um dos principais cartões portais de Salvador. Ele contou que, em poucos minutos no local, se sentiu pressionado a pintar o corpo e a comprar um colar e fitinhas do Senhor do Bonfim, desembolsando de cara R$119, mesmo sem interesse nos produtos.

Josuel explica que o grande problema não é a presença de pessoas vendendo lembranças aos turistas ou oferecendo as pinturas do corpo, serviços que devem ser negociados antecipadamente.

"O turismo pode conviver com os trabalhadores informais. O turismo só não consegue sobreviver com os furtos e assaltos em áreas turísticas".

O guia Josuel Queiroz com um grupo de turistas no Centro Histórico de Salvador - Divulgação / Olafemi Tours - Divulgação / Olafemi Tours
O guia Josuel Queiroz com um grupo de turistas no Centro Histórico de Salvador
Imagem: Divulgação / Olafemi Tours

Quase 50% dos trabalhadores de Salvador estão na informalidade. É muita gente sobrevivendo a partir das oportunidades que surgem no setor de serviços, como o turismo. É muito difícil organizar um setor sem uma política pública efetiva que compreenda as necessidades dos vários agentes envolvidos.

A falta de respeito e desorganização por parte da Prefeitura de Salvador diante do desespero dos vendedores ambulantes em busca de uma licença para trabalhar nas festas populares e no carnaval denunciam a insensibilidade e o descaso com quem mais precisa, que são os trabalhadores informais.

Os petistas baianos devem estar satisfeitos com a gestão do setor já que o novo governador Jerônimo Rodrigues manteve no cargo de secretário estadual de Turismo, o engenheiro civil Maurício Bacellar, da equipe de Rui Costa. O secretário recentemente se filiou ao PV, depois de 15 anos no Podemos, mesmo partido de Mauricio Marcon. Já no governo federal, a pasta do Turismo foi entregue ao União Brasil, confirmando a crítica de que a área é apenas moeda de troca partidária.

"É preciso compreender que uma política voltada ao turismo beneficia muita gente, desde o dono do hotel, que emprega muitas pessoas, passando pelos guias de turismo, profissionais que mais diretamente se relacionam com os visitantes, até o vendedor de água que está ali no ponto turístico. É uma cadeia econômica importantíssima que precisa ser valorizada."
Josuel Queiroz, guia de turismo em Salvador desde 2001

Sobre a fala do deputado Marcon, Josuel Queiroz denuncia o racismo da visão do parlamentar.

"Eu não se por onde ele andou aqui em Salvador, mas o que eu ouço dos meus clientes, sobretudo os afro-americanos, são muitos elogios de como a cidade é limpa, além de celebrarem os grafites espalhados pela cidade. São pinturas belíssimas, verdadeiras obras de arte, com referências africanas e valorização da mulher negra, das crianças negras, que para um olhar racista e xenofóbico, pode ser considerada uma coisa feia e suja", define Josuel Queiroz.