Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
"Quando é que o Brasil começou a dar errado, ou será que nunca deu certo?"
Me deixou intrigado esta pergunta de Martha Batalha em sua coluna de hoje no jornal O Globo. "Acho que leio jornais antigos para tentar responder ao dilema: quando é que o Brasil começou a dar errado, ou será que nunca deu certo?"
Já tinha pensado nisso muitas vezes, sem encontrar resposta, mas acho que posso ajudar minha colega a resolver esse dilema com um pequeno esforço de memória.
Sou de uma geração que nasceu logo após a Segunda Guerra Mundial e o Estado Novo de Getúlio Vargas, cresci nos governos de JK e Jango, comecei a trabalhar em jornal no ano do Golpe de 1964, atravessei toda a ditadura militar sem ser preso nem torturado, acompanhei como repórter todo o processo de redemocratização do país, conheci de perto todos os presidentes eleitos após a Constituinte de 1988.
Posso te dizer, Martha, que a vida de um país é como as nossas, feitas de altos e baixos, maré cheia e maré vazante, tudo depende de cada época e suas circunstâncias.
Tem pessoas que nunca deram certo na vida, eu sei, outras que caem e se levantam, algumas que se consagram, mas essa trajetória nunca é linear., nem tranquila.
O Brasil já deu certo e já deu errado várias vezes, dependendo de quem estava pilotando o avião, mas nunca esteve tão mal como agora, porque não há esperanças à vista, a curto prazo, para sairmos desse abismo em que nos metemos.
Levamos 21 anos para sair da ditadura e reconstruir a democracia, e agora bastaram apenas dois anos e meio de um governo aloprado e destruidor, eleito nas urnas, para voltarmos ao mesmo buraco
O Brasil começou a dar certo em períodos dos governos de Getúlio, JK, Jango, FHC e Lula e começou a dar errado novamente no Golpe de 2016, que derrubou Dilma Rousseff, e abriu o caminho da "Ponte para o Futuro" de Michel Temer que levou ao desastre Bolsonaro.
Isso não quer dizer que o Brasil não possa dar certo outra vez, não sei quando. Tudo depende das pessoas, de quem nós elegemos, para o bem ou para o mal.
Hoje em dia, as mudanças acontecem muito rapidamente. Em menos de um ano, Joe Biden trouxe os Estados Unidos de volta à civilização e, entre erros e acertos, governa hoje um país bem diferente daquele de Donald Trump, que ameaçava o mundo.
No mundo todo, protoditadores da extrema-direita estão em baixa. Na Europa e na América Latina, sopra um vento de mudança que logo pode chegar aqui.
"Lendo os jornais antigos, eu vejo rupturas e avanços. Vejo também causa e consequência, a continuidade de algo endêmico e ruim", constata Martha Batalha. Sim, no nosso caso, o endêmico é essa nossa imensa desigualdade social, que só cresceu durante a pandemia.
Eu não posso desistir do Brasil, porque tenho duas filhas e cinco netos. Como fui o primeiro da família a nascer aqui, me sinto responsável pelo futuro deles, e não quero que saiam do Brasil, a exemplo do que tantos jovens estão pensando, fazendo ou querendo.
Pobreza sempre existiu, aqui e nos melhores países no mundo, mas não podemos mais conviver com a miséria e a fome que hoje ameaçam a sobrevivência de 20 milhões de brasileiros, como informa o repórter Fernando Canzian, na Folha. Outros 74 milhões vivem com medo de acabar passando por isso. No final de 2020, mais da metade (55%) dos brasileiros sofriam de algum tipo de insegurança alimentar.
"Não existe fome no Brasil", decretou o presidente Bolsonaro, pouco tempo após a posse, num encontro com jornalistas. Se descesse dos palanques, para saber como o povo está sobrevivendo, veria que isso não é verdade.
Temos terra, água e sol, e um povo maravilhoso, para fazer este país novamente ser respeitado no mundo, e não motivo de chacotas.
Gilberto Gil disse nesse fim de semana que o mundo perdeu a admiração pelo Brasil, mas isso não será para sempre.
O próprio Gil, mais velho que eu, é o símbolo de um país que não se entrega.
Martha Batalha, que é mais jovem, ainda vai sentir orgulho do Brasil que deu certo, outra vez.
Vida que segue.
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