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Se não tem chance de ganhar a eleição, qual o objetivo de Ciro na campanha?
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Desde a primeira pesquisa de intenção de votos em 2022, até as mais recentes, ficou claro que Ciro Gomes não tinha a menor chance de sequer chegar ao segundo turno em sua quarta tentativa numa campanha presidencial. A campanha já começou polarizada entre apenas dois candidatos. Ganhar a eleição, nem pensar.
Com seu velho livrinho sobre um plano nacional de desenvolvimento para o Brasil debaixo do braço, Ciro cruzou novamente o país como um profeta para anunciar as boas novas, mas reúne cada vez menos gente para ouvir suas pregações.
"Está tudo aqui", repete nas entrevistas e nos debates, batendo duas vezes com a palma da mão na capa do livro.
À medida em que a campanha avançava e suas chances diminuíam, o ex-governador do Ceará e ex-ministro do primeiro governo Lula foi ficando cada vez mais agressivo, soltando sua raiva nos adversários e no destino, vingando-se principalmente do ex-presidente, de quem já foi aliado, como se o tivesse jurado de morte.
São sequelas da campanha de 2018, quando Ciro achou que tinha chegado sua vez de ser o candidato do campo da esquerda, com o apoio do PT, diante da situação jurídica de Lula, preso pela Lava Jato e que teria sua candidatura impugnada no TSE. Não houve acordo. Fernando Haddad foi o candidato do PT e, no segundo turno, Ciro viajou para a Europa, só voltando no dia da eleição. Ficou de mal, como se diz.
Agora, faltando muito pouco para Lula liquidar a fatura já no primeiro turno, o pedetista não pode nem ouvir falar em "voto útil", muito menos de desistir da sua candidatura, apesar dos apelos que tem recebido de dentro e de fora do país, até mesmo de membros do seu próprio partido. Desistir, jamais, é o novo lema de Ciro, que não passa mais um dia sem atacar o ex-presidente.
Do exterior, Ciro recebeu uma carta assinada por intelectuais e líderes políticos latino-americanos pedindo sua desistência à disputa da Presidência da República, "a fim de derrotar o fascismo no Brasil".
Assinam a carta Adolfo Pérez Esquivel, Premio Nobel da Paz; o ex-presidente do Equador Rafael Correa; o deputado venezuelano Juan Eduardo Romero e o ex-ministro boliviano Juan Ramón Taborga, entre outros.
Diz um trecho da carta:
"A dura realidade é que, mantendo sua candidatura, caro camarada Ciro, a única coisa que você fará é dispersar forças, enfraquecer a força do bloco antifascista, com todas as suas contradições, facilitar a vitória de Bolsonaro e, eventualmente, abrir caminho para um novo golpe. Apesar de sua boa vontade, infelizmente você não está em condições de fazer nenhum bem, e está em condições de causar grandes danos ao Brasil e ao seu povo".
Na mesma linha e com o mesmo objetivo, o ex-deputado Haroldo Ferreira (PDT-PR), vice-presidente da Fundação Leonel Brizola, encaminhou carta ao presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, pedindo afastamento do cargo por discordar da "campanha odiosa contra o principal candidato de oposição do regime bolsonarista".
Trecho da carta afirma que "de tal forma que Ciro Gomes seja hoje o principal detrator de Lula, servindo direta ou indiretamente de linha auxiliar para a candidatura oficial da situação".
Ontem, em São Paulo, ao ser perguntado sobre as dissidências na sua campanha, Ciro negou-se a repercutir o que chamou de fake news, exatamente como costuma fazer Bolsonaro.
"Isso é mentira. Vocês estão sendo enganados. Outra pergunta. Desculpa, mas não vou repercutir fake news de forma nenhuma".
Na verdade, um movimento dissidente dentro do PDT ganhou força na semana passada e nesta quarta-feira deverão ser lidas duas cartas, no Rio e em São Paulo, para anunciar o desembarque e deslegitimar os ataques de Ciro a Lula.
"Reconhecemos a legitimidade das disputas, mas, como Brizola fez em 1989, entendemos conveniente aos destinos do Brasil e do povo brasileiro a solução da eleição presidencial em 2 de outubro", diz uma das cartas assinada por atuais filiados ao PDT e a partidos que compõem a chapa de Lula, como o PSB, que indicou o vice Geraldo Alckmin.
No mesmo dia, desembarcaram da campanha cirista também os cantores Caetano Veloso e Tico Santa Cruz, vocalista dos "Detonautas", antigos apoiadores do pedetista. Em vídeo gravado para a campanha do PT, Caetano diz que "mesmo a gente adorando Ciro, e respeitando o que ele planeja e promete, eu acho que agora tem que ser Lula".
Tico Santa Cruz escreveu em sua página no Twitter que "agora precisamos dar fim a esse regime de ódio e sofrimento. Resolver no primeiro turno. O voto útil no Lula é o caminho para encerrar esse ciclo de tragédias".
A ex-deputada e apresentadora de TV Cidinha Campos, outra pedetista histórica, diz ser "lamentável que Ciro Gomes esteja fazendo o jogo de Bolsonaro. Brizola nunca concordaria com isso. O PDT é maior que isso. O PDT é maior que Ciro".
Todos lembraram o gesto de Leonel Brizola, na primeira eleição direta depois da ditadura, em 1989, quando ele ficou em terceiro lugar, e foi o primeiro líder político a anunciar apoio a Lula no segundo turno da disputa com Fernando Collor.
Inconformado com a anunciada ausência de Lula no debate presidencial marcado para sábado no SBT, Ciro voltou a atacar o petista: "Os autoritários querem o máximo de poder nas mãos, e os covardes temem debater a verdade".
Apesar de ser considerado um dos políticos mais preparados para exercer o cargo de presidente, um estudioso das grandes questões brasileiras, o fato é que, com seu discurso cheio de números e dados estatísticos, Ciro não consegue transmitir a sua verdade e convencer a maioria do eleitorado a votar nele, mesmo contando nesta campanha com João Santana, o melhor e mais bem pago marqueteiro do mercado.
Ciro erra na forma e no conteúdo dos seus discursos, e nunca admite estar errado. Poderia vir a ser um ótimo presidente, mas não é, definitivamente, um bom candidato. Mais do que ganhar a eleição, ele só pensa em derrotar Lula. Restou-lhe apenas disputar com Simone Tebet um honroso terceiro lugar.
Vida que segue.
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