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Camilo Vannuchi

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Deputado Ivan Valente deve se tornar anistiado político nesta quinta

Deputado Ivan Valente  - Lúcio Bernardo Jr / Câmara dos Deputados
Deputado Ivan Valente Imagem: Lúcio Bernardo Jr / Câmara dos Deputados

Colunista do UOL

30/03/2023 04h00

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A Comissão da Anistia está de volta, operando novamente em condições normais de temperatura e pressão. Nesta quinta-feira (30), das 9h às 13h, os membros do colegiado analisarão quatro requerimentos de anistia em sua primeira sessão do ano.

Saíram os negacionistas, os revisionistas, os arautos do atraso e aqueles que celebram golpes e elogiam torturadores, e voltaram os que prezam a democracia e os que concebem justiça e reparação como etapas fundamentais para um país prestar contas com seu passado de abusos e violações.

A Comissão da Anistia está de volta para deliberar sobre os processos de quem reivindica reparação histórica por ter sido perseguido pela ditadura militar. No mundo civilizado, é natural e muito oportuno que esta comissão exista. E que anistia seja dada, feita, conferida.

Anistia, sim. Impunidade, não. Anistia para quem sofreu perseguição indevida, e pagou com a liberdade suprimida, e pagou com o exílio, e pagou com o desemprego, e pagou com a cassação, e muitas vezes com a própria vida.

Revanchismo, uma ova. Pelo menos por enquanto, ninguém está propondo açoitar os bisnetos dos escravocratas, nem os acorrentar no pelourinho ou enfiar todos eles no porão de um navio ou submetê-los a estupros sistemáticos e a trabalho forçado. Tampouco pendurar militares, delegados de polícia e empresários entreguistas com a bunda para cima, inserir fios elétricos no ânus, no pênis e nos ouvidos, meter canos de água e escapamento de motor nas bocas e narinas enquanto gira a manivela em desabalada carreira até lhes queimar a carne, a mente e a alma.

Ninguém será deixado na solitária com uma cobra, acredite. Nem terá os tímpanos rompidos a golpes de mão ou cacetete, nem os filhos sequestrados, as mães ameaçadas, parentes desaparecidos. Ninguém será afogado nem atropelado por um caminhão nem pendurado pelo cinto no vitrô basculante da cela ou cortado com navalha. Ninguém será jogado do helicóptero, nem incinerado, tampouco retalhado, coberto de cal e enterrado às pressas num terreno baldio ou numa vala comum nalguma periferia inaudita.

Tem uns e outros por aí que deveriam dar graças a Deus por isso. E ajoelhar no milho e rezar para que os defensores do Estado Democrático de Direito, os ministros do STF e a turma dos direitos humanos jamais ousem mudar de opinião.

Na sessão desta quinta-feira, quatro requerentes terão seus processos analisados pela rediviva Comissão: Romario Cezar Schettino, Claudia de Arruda Campos, José Pedro da Silva e Ivan Valente. Cada caso foi estudado por um conselheiro-relator, que deverá apresentar seu voto.

De todos, o processo do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) é o que mais chama atenção, por ser ele uma pessoa pública, com mandato legislativo desde 1986. Líder estudantil desde 1967, quando cursava engenharia, e militante da organização Política Operária (Polop) a partir de 1970, Valente caiu na clandestinidade em 1972 e viveu cinco anos nas sombras, primeiro em São Paulo e depois no Rio de Janeiro — até ser preso, em julho de 1977, agora na direção do MEP (Movimento pela Emancipação do Proletariado).

Condenado a três anos de prisão em regime fechado e conduzido ao Complexo Penitenciário Frei Caneca, Ivan Valente foi contemplado com a liberdade condicional apenas em março de 1979. O julgamento no Superior Tribunal Militar nunca aconteceria, uma vez que a Anistia foi promulgada antes, em agosto daquele ano.

No período que permaneceu no DOI-Codi do Rio de Janeiro, na Tijuca, ao qual foi conduzido pelado e de capuz, Valente diz ter ficado pelo menos dez dias sem se alimentar, submetido a uma rotina que incluía choques elétricos na "cadeira do dragão", privação do sono, horas intermináveis na "geladeira", sujeito a temperaturas baixíssimas e altíssimas sem poder ficar ereto, queimaduras e pancadas que lhe comprometeram para sempre o ligamento do joelho, entre outras torturas.

A anistia virá em boa hora, não apenas para constitucionalidade do gesto, mas sobretudo pelo imperativo da Justiça.

"Entendo como tarefa desmistificar a versão histórica e a narrativa dos que quebraram a legalidade e implantaram um regime de trevas durante tanto tempo", afirma o deputado nas considerações finais do processo apresentado ao Estado Brasileiro por intermédio da Comissão da Anistia. "Muitos dos seus seguidores tentam negar o horror ocorrido e demonstram ainda saudades da ditadura, como vemos, agora, até nas ruas com espanto e perplexidade."

Ao requerer a declaração de minha condição de anistiado político, quero homenagear todos aqueles que deram suas vidas à luta generosa por uma sociedade mais justa",
Ivan Valente

"Depois de tantos anos como ativista, lutador e representante popular, venho agora requerer esta condição de anistiando, porque ela faz parte da luta recente do país, da minha história, e para que seja mais um testemunho de um período histórico em que a desumanização e a barbárie predominaram e para que nossos filhos e netos, nossa juventude e o povo brasileiro nunca tenham que vivenciar anos de chumbo", diz Valente, de cuja esposa, a professora de História Vera Lúcia Colson, tanto pude aprender.

A 1ª Sessão da Comissão de Anistia será transmitida ao vivo a partir das 9h pelo YouTube do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.