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Governo entrega transposição, mas abandona revitalização do São Francisco
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A construção dos canais de transposição do rio São Francisco, finalizada em fevereiro, previa em sua condicionante principal uma revitalização do "Velho Chico". Quatorze anos após o início das obras terem início, no entanto, os programas de revitalização acumulam sucessivos fracassos.
O projeto de revitalização da bacia previa uma seria de medidas para recuperação de nascentes e recarga de aquíferos, além da contenção de erosões e a implantação de sistema de tratamento de efluentes caseiros. A ideia é que a água que chegasse o mais limpa possível aos canais de transposição.
O problema é que as obras não andaram, segundo especialistas ouvidos pela coluna, e o rio segue cada vez mais poluído. A situação se agravou no atual governo, dizem especialistas, por causa do cancelamento, em 2020, do Plano Novo Chico, um programa de revitalização iniciado em 2016 e com término inicialmente previsto para 2023. No lugar do plano, um outro foi lançado, o Águas Brasileiras, que prevê investimento de empresas privadas, que ganham em troca de um selo de reconhecimento ambiental
Promessa de longa data
A promessa de revitalizar o rio é antiga e vem e antes mesmo do início das obras dos canais.
Em outubro de 2009, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu, após negociação com entidades contrárias ao projeto, que o rio seria revitalizado. Chegava-se a dizer que cada real investido na obra teria outro na revitalização. "Nós queremos revitalizar, recuperar as margens, as matas ciliares, fazer saneamento básico nas cidades para que não joguem dejetos no São Francisco, e começamos fazendo isso", disse Lula, ainda em 2009, durante o programa "Café com o Presidente".
Em dezembro de 2017, os pesquisadores César Nunes de Castro e Caroline Nascimento Pereira, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), afirmaram que as principais fontes de poluição dos corpos d'água da bacia "são os esgotos domésticos, as atividades agropecuárias e a mineração".
"Observa-se o lançamento de efluentes industriais e domésticos e a disposição inadequada de resíduos sólidos, comprometendo a qualidade de rios como Paraopeba, das Velhas, Pará, Verde Grande, Paracatu, Jequitaí e Urucuia", alertam.
Atualmente, das 505 cidades incluídas na bacia do São Francisco, só uma tem saneamento básico 100% completo: Lagoa da Prata (MG). As demais, apesar de históricas reclamações de entidades e do TCU (Tribunal de Contas da União), ainda despejam resíduos no rio ou afluentes.
Sem avanços
Segundo o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Maciel Oliveira, em nenhum momento as obras para revitalizar o rio andaram como prometido. "Foi feito pouquíssimo. Nós que temos feito projetos de recuperação com recursos próprios, que são mínimos", conta.
Hoje, diz Maciel, as poucas obras revitalizantes são feitas com dinheiro do próprio comitê, que arrecada recursos pelo uso da água do São Francisco. Mas o valor é pequeno (em 2020, por exemplo, foram arrecadados R$ 33,9 milhões) e serve principalmente para ajudar a revitalizar nascentes e pequenos rios da bacia.
A bacia do rio São Francisco tem, além de rios, riachos, ribeirões, córregos e veredas —ao todo são 168 afluentes. O rio corta cinco estados brasileiros (AL, BA. MG, PE e SE) e é o maior inteiramente brasileiro. A área de influência de sua bacia é de 18 milhões de pessoas.
Um dos exemplos dos problemas foi revelado em mapeamento lançado na sexta-feira pelo projeto MapBiomas, que apontou a Bacia do São Francisco perdeu 50% da superfície de água natural entre 1985 e 2020. Já a cobertura de vegetação nativa nessa área vem caindo ao longo dos anos e estava, em 2020, em 57% do total.
O fim do Novo Chico e o Águas Brasileiras
A maior promessa de recursos para obras de recuperação do rio veio com o Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, também chamado de Plano Novo Chico, lançado em agosto de 2016. A promessa era investir R$ 10 bilhões em obras de revitalização até 2026.
"Esse programa deu uma nova cara ao programa de revitalização: ele pegou o plano aprovado pelo comitê e coordenou, pensou de onde viria o dinheiro", conta Maciel.
Entretanto, o plano pouco andou no período do governo Michel Temer e foi cancelado pelo governo Bolsonaro.
O MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional) confirmou à coluna o cancelamento do plano Novo Chico em 2020, pelo mesmo decreto que criou o novo ministério. "Desta forma, o Novo Chico, lançado na gestão passada, não teve execução pelo MDR", diz.
No lugar, o governo lançou o programa Águas Brasileiras, em dezembro de 2020, "com o objetivo de revitalizar as principais bacias hidrográficas brasileiras e garantir água em quantidade e qualidade à população".
O Águas Brasileiras, porém, é um projeto bem mais amplo e inclui não só o São Francisco, mas também outras bacias e envolve outros órgãos federais, como os ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), do Meio Ambiente (MMA), da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Controladoria-Geral da União (CGU), em parceria com estados e municípios.
Ao contrário do que previa o Novo Chico, o projeto do governo Bolsonaro busca investidores privados.
Segundo o ministério, o Águas Brasileiras conta com um banco formado por 82 projetos, distribuídos em todo o território brasileiro, sendo que 11 possuem patrocínios "que totalizam mais de R$ 55 milhões". O MDR, no entanto, não informa quanto será destinado ao São Francisco.
A pasta diz ainda que criou o "Selo Aliança pelas Águas Brasileiras", voltado a pessoas, empresas e organizações que executem financiem ou apoiem projetos de revitalização de bacias hidrográficas ou que desenvolvam ações voltadas à sustentabilidade. Além disso, segundo o ministério, um novo plano de alcance nacional "está em fase de elaboração", o PNRBH (Programa Nacional de Revitalização de Bacias).
Maciel Oliveira diz que o atual governo, além de cancelar o programa, fechou o diálogo com as entidades. "Nós, do comitê, não participamos, nem sabemos de nada [sobre novos projetos]. Fomos deixados de lado", diz.
Poluído e sem recursos
Sem recursos para revitalização, o rio sofre com a contaminação, especialmente na região do Baixo São Francisco (entre Sergipe e Alagoas, onde está a foz do rio).
"Nós já detectamos 14 tipos de agroquímicos já nas águas e nos peixes da região do São Francisco. A água chega com problemas de metais pesados, resíduos de mineração de esgoto, chega pesticida", conta o pesquisador Emerson Soares, coordenador da expedição e professor da Ufal (Universidade Federal de Alagoas). Soares faz parte de uma expedição científica anual com estudiosos de 35 linhas de pesquisa, que investigam, entre outros pontos, a qualidade das águas que chegam à região.
"No Baixo São Francisco, todas as cidades estão com contaminantes altíssimos, seja em nível de pesticidas, de coliformes fecais, de bactérias e de doenças de veiculação hídrica. A gente precisa ter uma atenção especial com essa questão", conta.
Por fim, Soares afirma que um dos principais problemas atuais é a redução do fluxo de água do rio controlado pelos reservatórios de hidrelétricas. "Essa política de vazões, em especial no Baixo São Francisco, está destruindo o rio", diz. Segundo o pesquisador, com menor quantidade de água, o rio tem menos poder de diluição do esgoto e dos produtos químicos jogados no leito, e acaba sendo salinizado pela entrada da água do mar na foz do rio.
Isso prejudica também toda a biota, reduz a quantidade e o abastecimento das cidades. Ou seja, além de todos esses problemas todos de poluição, agora temos esse da vazão que afeta
Emerson Soares, Ufal
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