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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Agro e pecuária avançam do cerrado à caatinga, desmatam e aquecem semiárido

Região queimada e desmatada na caatinga - Marcelino Ribeiro/Emprapa
Região queimada e desmatada na caatinga Imagem: Marcelino Ribeiro/Emprapa

Colunista do UOL

14/05/2023 04h00Atualizada em 14/05/2023 10h35

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A parte oeste da caatinga, na fronteira com o cerrado, está sofrendo com um acelerado desmatamento. Como consequência, o semiárido perde parte do seu bioma e fica ainda mais quente. As conclusões fazem parte de um estudo do MapBiomas, que desenvolveu mapas de médias de temperaturas entre 1985 e 2021 na região.

Por que isso ocorre

A parte oeste da caatinga tem sido buscada pela agropecuária como zona de expansão do Matopiba (área do cerrado dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Esse tipo de vegetação adaptada ao clima seco sofre os impactos de queimadas e degradação na região de transição para o cerrado.

Não é só o agro. Há também usinas e pecuária. O desmatamento ocorre com a instalação de usinas de energia solar ou eólica e as cada vez mais frequentes grandes plantações e criação de gado na caatinga.

Os estados mais afetados pelo aumento de temperatura são Bahia e Piauí, que têm a maior fronteira com o cerrado.

Essa área tem passado por processos mais intensos de queimada, segundo pesquisadores. O fogo é justamente parte do processo de desmatamento para a preparação de terrenos para outros usos.

Além disso, temos também a ação de vandalismo e a disputa fundiária que causam queimadas."
Galano Duverger, pesquisador do MapBiomas e da empresa Geodatin

Caatinga -  -

O desmatamento amplia a deficiência hídrica e aumenta ainda mais a irregularidade de chuvas, dizem os cientistas.

O maior temor dos especialistas é que isso, a longo prazo, torne o semiárido em uma região árida, o que causaria mudanças drásticas na caatinga.

Na região, moradores já sentem as mudanças do clima por conta do processo de desmatamento.

As pessoas têm percebido mais calor, a redução dos cursos naturais da água e o aumento da má distribuição de chuvas. O regime pluviométrico já foi muito influenciado nessa área."
Samuel Chagas, da CPT (Comissão Pastoral da Terra) no sertão baiano

Por que essa busca pela caatinga

Historicamente, a região não era buscada para grandes empreendimentos e uso intenso do agronegócio. Porém, isso vem mudando.

O processo está ocorrendo porque a região do Matopiba tem sido alvo de intensa procura pelo agronegócio. As áreas estão ficando mais caras e escassas.

Com isso, fazendeiros e empresários que já atuam no cerrado têm buscado usar áreas no limite dos biomas, onde é possível seguir com seus negócios.

Quando falamos de biomas, não existe uma linha reta os separando. Existe uma zona de transição. Esse desmatamento tem forte influência do cerrado, onde já existe um agronegócio mecanizado em expansão. E é muito mais fácil expandir para o lado do que se instalar em novas áreas [distantes]".
Washington Rocha, coordenador do MapBiomas Caatinga

Vista aérea da Caatinga no sertão baiano - MapBiomas - MapBiomas
Vista aérea da caatinga no sertão baiano
Imagem: MapBiomas

O fogo na caatinga

A caatinga é um tipo de bioma que só existe no Brasil e está presente em 10 estados: todos do Nordeste mais Minas Gerais.

Ao longo dos anos, a região está ficando cada vez mais sem água, segundo o IPCC (Painel da ONU para o clima).

O fogo sempre foi uma preocupação, já que no bioma a umidade é mais baixa e chove menos que no resto do país. Isso facilita e aumenta a expansão de incêndios.

O que mostra o estudo do MapBiomas

A caatinga já teve 12,17% de suas áreas queimadas ao menos uma vez. Isso equivale a 104.984 km², área similar à do estado de Pernambuco (98 mil km²).

Dessas áreas queimadas, as formações savânicas (originais) respondem por 73% dos focos de incêndio.

Os meses de setembro, outubro e novembro concentram 77% do fogo.

Fogo na região da Caatinga na Bahia - Iberê Périssé/CBHSF - Iberê Périssé/CBHSF
Fogo na região da caatinga na Bahia
Imagem: Iberê Périssé/CBHSF

Para Rocha, o aumento da temperatura no bioma deve impactar no padrão climático, reduzindo ainda mais a disponibilidade de recursos hídricos em médio e longo prazo na região, inclusive com mais períodos de seca.

A vegetação da caatinga já está adaptada a condições de temperaturas mais altas e escassez de água, então ela entra no processo de 'hibernação'. Mas isso pode mudar porque, com ciclos de seca mais prolongados, pode deixar de ser um clima semiárido para se tornar árido."
Washington Rocha, MapBiomas Caatinga

Caatinga é bioma 100% brasileiro e único no mundo - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Caatinga é bioma 100% brasileiro e único no mundo
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Desertificação no semiárido

Ao longo dos anos, o semiárido já vem sofrendo com processo de desertificação, que tem castigado solos e ameaça uma área do tamanho da Inglaterra.

Nas últimas duas décadas, a gente percebeu não só as secas, mas também essa perda da cobertura vegetal pelo desmatamento. Isso acelerou de uma forma muito rápida nos últimos cinco a oito anos."
Humberto Barbosa, pesquisador da Ufal e colaborador do IPCC

Uma pesquisa desenvolvida com europeus busca saber de que forma essa degradação está ocorrendo nos estados, com ao menos 13% de área já comprovadamente em desertificação.

A aceleração desses processos de degradação e secas extremas tem feito esse percentual [de desertificação] aumentar, e isso coloca pressão na atividade agrícola e afeta a produção de alimentos."
Humberto Barbosa

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, a área do estado do Piau é de 251 mil km², e não 105 mil km². O texto foi corrigido.