Carlos Madeiro

Carlos Madeiro

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Cinco mil búfalos selvagens devastam reserva e criam 'deserto' na Amazônia

A imagem desértica de uma extensa área em plena floresta amazônica chama a atenção pelo contraste com verde das árvores. O cenário é resultado de danos gerados por mais de 70 anos de ocupação de búfalos selvagens dentro e no entorno da REBio (Reserva Biológica) Guaporé, em Rondônia. A estimativa é que hoje vivam lá cerca de 5.000 animais, destruindo o meio ambiente local.

No último dia 31, o MPF (Ministério Público Federal) ajuizou ação civil pública para que governos federal e estadual sejam obrigados a implementarem, de forma urgente, um plano para erradicação dos búfalos, sob pena de riscos econômicos e sanitários --esses animais não são vacinados.

Hoje a população de quase 5.000 búfalos se multiplica em velocidade assustadora, d evendo alcançar a cifra de aproximadamente 50 mil indivíduos em 2030!
Trecho da ação civil pública

Segundo último levantamento do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) —órgão federal que administra a unidade de conservação— os búfalos ocupavam em 2020 uma área de 96,6 mil hectares no entorno e no interior da reserva (ou 12% da reserva).

Reserva Ambiental Guaporé e suas áreas alagadas, em Rondônia
Reserva Ambiental Guaporé e suas áreas alagadas, em Rondônia Imagem: ICMBio/Divulgação

Aspecto de deserto

Lidiane Silva, chefe do Núcleo de Gestão Integrada Cautário-Guaporé do ICMBio, explica que a ideia da criação da reserva era proteger os ambientes naturalmente alagados que existem na região, o que mudou com a multiplicação dos búfalos.

"Eles têm o costume de andar em trilheiros, e isso causa valas enormes no terreno, de até um metro e meio de altura. Você olha do alto, parece um rio", diz.

Valas criadas pelos búfalos selvagens na Reserva Biológica Guaporé
Valas criadas pelos búfalos selvagens na Reserva Biológica Guaporé Imagem: ICMBio/Divulgação

Essa andada por anos dos animais, explica, compacta o solo e faz com que a água desses ambientes ecoe mais rapidamente. Com isso, uma pesquisa assinada por vários cientistas concluiu que a lâmina de água desses ambientes alagados diminuiu 48% nos últimos 34 anos.

Continua após a publicidade

"Se não tem essa água disponível, e a vegetação some com o tempo, o ambiente vai criando uma aspecto de deserto", explica.

Essa imagem [da abertura da matéria] registra um ambiente em que eles ocuparam por cerca de 50 anos. Quando chega nesse nível, não tem mais alimento, e eles migram para outras áreas e começam a degradação naquele novo ambiente.
Lidiane Silva

Área da reserva biológica Guaporé, em Rondônia
Área da reserva biológica Guaporé, em Rondônia Imagem: ICMBio/Divulgação

O maior problema é que, como presença dos búfalos ocorre há vários anos, isso causou um efeito cascata: "Primeiro impacta o solo, depois os ambientes alagados, que impactam na vegetação nativa, que impacta na disponibilidade de recursos alimentares para as espécies nativas."

"Isso acaba impactando as espécies nativas que nós temos na região, que dependem desse ambiente equilibrado para alimentação", cita.

Uma das preocupações é com o cervo do pantanal, uma espécie ameaçada de extinção que vive na reserva e quem vem perdendo espaço para o avanço dos búfalos.

Continua após a publicidade

Mas como erradicar?

Diante das dificuldades logísticas para se acessar a área, a única solução viável que surge é matar esses animais, mas ainda não uma definição de como fazer isso. O detalhe é que esses animais, por serem selvagens, não servem para alimentação humana.

O fato do difícil acesso, de não ter controle sanitário, dificulta muito. A erradicação talvez seja a única solução viável. Mas é algo que a gente ainda não chegou ainda no denominador comum, estamos fazendo pesquisas em relação a isso para acharmos uma solução. Esse processo levaria 10, 15 anos.
Lidiane Silva

Uma das preocupações é: o que fazer com os corpos dos búfalos quando forem mortos. "Uma das opções existentes seria abandonar a carcaça. No entanto, isso poderia causar um impacto, mesmo que pontual, na unidade de conservação. Mas como já existe um impacto gigantesco que eles vêm causando, talvez esse impacto menor justifique", diz.

Búfalos ocupam área estimada de 12% da Reserva Biológica Guaporé
Búfalos ocupam área estimada de 12% da Reserva Biológica Guaporé Imagem: ICMBio/Divulgação

Como os búfalos foram parar lá?

Tudo começou ainda no ano de 1953, quando Rondônia ainda era território federal. Naquele ano, búfalos exóticos foram introduzidos na antiga Fazenda Pau D'óleo, hoje uma unidade do conservação do estado.

Continua após a publicidade

Anos depois, a fazenda foi abandonada, 36 animais passaram a viver livres e reproduziram em um habitat com farto alimento e nenhum predador.

A partir dali, eles foram abandonados e se espalharam pela área que hoje é a reserva biológica do Guaporé. "Eles são considerados ferais, já que eles não têm contato com humanos. Eles se espalharam nos campos naturais alagados que a unidade protege", diz Lidiane.

Búfalo caminha na Reserva Biológica Guaporé
Búfalo caminha na Reserva Biológica Guaporé Imagem: ICMBio/Divulgação

O que pede o MPF

Na ação civil pública, o MPF alega que ainda em 2008 equipes fizeram a primeira vistoria da área para levantar informações sobre o problema.

O órgão cia um um artigo científico de 2022, assinado por diversos autores, que classifica como "absolutamente inadiável" o controle e erradicação de búfalos na área.

O MPF pede uma liminar contra ICMBio para que, no prazo de 10 meses, apresente um plano de controle e erradicação do búfalo, com métodos que causem o menor sofrimento possível. Já ao estado, pede que disponibilize —em 60 dias após o plano pronto— recursos financeiros, servidores e equipamentos.

Continua após a publicidade

Ao final da ação, ainda pede a condenação do estado a pagar R$ 20 milhões a título de danos morais coletivos; e ao ICMbio, para elaborar e executar um plano de recuperação de área.

Búfalo se refresca em águas na Reserva Biológica Guaporé
Búfalo se refresca em águas na Reserva Biológica Guaporé Imagem: ICMBio/Divulgação

Governo analisa impactos

Alvo da ação civil pública do MPF, o governo de Rondônia afirmou que está realizando "tratativas internas sobre a melhor maneira de abordar o problema." Além disso, conta que está em fase de elaboração de um levantamento dos impactos ambientais causados
por esses búfalos.

"O abate pode causar impactos sanitários, o que torna a solução mais delicada. Além disso, os búfalos são descritos como animais selvagens, o que aumenta a dificuldade do controle", cita.

O governo ainda informou que uma lei de 2016 já institui uma regulação de medidas para a erradicação de búfalos, mas ela não foi implementada porque, "sendo uma legislação estadual, não se aplica diretamente à reserva Guaporé, uma área de gestão federal sob o ICMBio"." Esse tipo de questão precisa ser resolvida com legislação conjunta", finaliza.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

130 comentários

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.


Enilce Pilatti Nicolau

Tá aí a solução para o lule entregar a prometida picanha. Kkkkkkkk

Denunciar

Nelson Ricardo Laurenciano Cardoso

A mais de 30 anos esses búfalos já davam problema na região e já apareciam nas reportagens. Se naquela época, quando o IBAMA autorizou um grupo de caçadores irem lá abater uns animais para pesquisa, não tivessem ficado com politica barata de manejo de espécie que não é nativa, teriam eliminado todos lá atrás. Foram deixando, o politicamente correto era mais importante que estudos sérios que demonstravam os danos que esses animais causavam, mesmo assim tudo foi ignorado. Vai acontecer o mesmo que acontece hoje com o javalis no sul e sudeste. Esses búfalos vão aumentar cada vez mais, vão destruir tudo que for possível e vão aos poucos indo parra as cidades e vão atacar pessoas. Quem morra na área, que se acostume com eles, porque o governo nunca vai fazer nada, como tudo que acontece no Brasil.

Denunciar

Vital Romaneli Penha

Mas só agora,depois de virar área desértica que o ministério público viu os 70 mil búfalos selvagens? A Amazônia tem acompanhamento por satélite,difícil de acreditar no desmazelo de todos.

Denunciar