'Não é passado, para nós é presente', diz irmã de desaparecida na ditadura
A aposentada Diva Santana, 80, carrega por mais da metade de sua vida uma dor que atravessou as décadas, sem solução: o assassinato de sua irmã Dinaelza Santana Coqueiro, 25, que foi morta por militares no Pará em 1973, mas o corpo dela nunca foi localizado.
Eu luto, dedico minha vida a essa causa. Sinto-me torturada, fiquei muito triste com que o presidente Lula disse de não remoer o passado. Para uns é passado, mas para nós é presente. Queremos fazer o sepultamento dos nossos entes. Se não faz o percurso todo, você não fecha o ciclo.
Diva Santana
Quem foi Dina
Aos 22 anos, Dina, como era conhecida, abandonou o curso de geografia na Universidade Católica de Salvador e foi junto com o marido e outros membros do PCdoB (Partido Comunista do Brasil) para a região do Araguaia, no sul do Pará, onde treinavam uma guerrilha contra a ditadura no poder.
Segundo os relatos colhidos na investigação do MPF (Ministério Público Federal), Dina foi morta em 25 de dezembro de 1973 durante a terceira "campanha de cerco e aniquilamento" do Exército contra a Guerrilha do Araguaia.
Pelo crime, o MPF denunciou o major Sebastião Curió, que morreu em 2022 sem ser condenado. A acusação diz que "no exercício ilegal das funções" no Exército ele a "matou, de forma livre e consciente, por motivo torpe, com emprego de tortura mediante recurso que tornou impossível a defesa da vítima, com o auxílio de outros militares ainda não identificados."
O marido dela, Vandick Reidner Pereira Coqueiro, também era baiano, de Jequié, e segundo relatório do Ministério da Marinha foi morto em 17 de janeiro de 1974. Não houve denúncia criminal nesse caso.
As mortes e torturas na região do Araguaia levaram o Brasil a ser condenado pela CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) em 2010 como responsável pelo desaparecimento de 62 pessoas.
Mesmo assim o estado nunca avançou no tema. A gente fala da tortura que eles sofreram até morrer, nas prisões, mas eu me sinto torturada. É uma pressão psicológica muito grande, e as Forças Armadas têm o dever de dizer como matou e onde enterrou.
Diva Santana
Camponeses relatam crimes
Diva conta que testemunhas presenciaram a prisão e a morte de sua irmã na mão dos militares. "Camponeses viram e contaram alguns detalhes. Mas já se procurou os ossos onde informaram, mas fizeram uma 'operação limpeza' e retiraram", diz.
Vandick, também segundo camponeses paraenses, morreu em uma emboscada, e o corpo foi enterrado no pé da Serra das Andorinhas. Porém, nas buscas pelos restos mortais, nada foi encontrado.
Diva conta que até hoje os atestados de óbito emitidos constam como "causa da morte" e local de sepultamento apenas o dizer: "lei 9140/95".
A lei citada, assinada no governo FHC, "reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas" entre setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.
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Quero receberDor da família e do silêncio de Lula
A falta de um velório e enterro incomoda a família. O pai de Dina morreu sem ter o direito de sepultar a filha. "Ele sempre dizia: 'toda a vez tenho a impressão de que vou encontrar a Dina aqui.'"
Diva se tornou uma ativista da causa e era integrante da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, que investiga a forma e local onde as vítimas dos militares foram mortas. O grupo foi extinto no final do governo Bolsonaro e não foi retomado no governo Lula.
Ela afirma que em meio a dor da espera, ficou triste com a ordem dada pelo presidente Lula de não realizar nenhum ato em lembrança aos 60 anos do golpe militar.
Isso não é só ofensivo aos familiares, mas também à sociedade e à democracia. Não vai se apagar a história, e a gente faz parte dela. Nunca se esclareceu nada, eles continuam desaparecidos.
Diva Santana
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