Governo Lula trava volta de comissão de mortos e desaparecidos da ditadura
Encerrada no final do governo Bolsonaro, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos espera há quase um ano a sua recriação dentro do governo Lula.
Ainda no início de 2023, o MDHC (Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania) deu andamento ao processo de recriação do grupo que tenta achar detalhes e vestígios de pessoas que foram assassinadas pela ditadura, mas o processo emperrou na Casa Civil há mais de um ano.
Até hoje existem 144 pessoas desaparecidas na ditadura militar. Apesar dos esforços de ativistas e familiares, os casos nunca avançaram para apontar a causa da morte ou o local onde os corpos foram sepultados.
A demora de recriar, em meio à informação de que o presidente Lula proibiu a realização de atos lembrando os 60 anos do golpe de 1964, frustrou os familiares, que esperavam que o atual governo retomasse os trabalhos da comissão.
É inconcebível que Lula queira varrer para debaixo do tapete os 21 anos do mais selvagem arbítrio que a ditadura militar nos impôs e a dor de quem, por desconhecer o paradeiro de seus restos mortais, não pode enterrar seu ente querido. Enquanto houver um só desaparecido a obrigação do Estado é procurá-lo. A demora na reinstalação faz parte da subserviência do atual presidente aos militares
Lygia Jobim, filha do embaixador José Jobim, morto em 1979
Vaivém no governo
O MDHC, comandado por Silvio de Almeida, alega que "adotou todas as medidas administrativas e jurídicas para o restabelecimento da comissão".
Segundo a pasta, uma minuta de decreto foi enviada para a Casa Civil e para a AGU (Advocacia-Geral da União), e os ministérios da Defesa e da Justiça e Segurança Pública já referendaram a proposta "com pareceres favoráveis ao ato de recriação".
Agora, o processo encontra-se na Casa Civil para deliberação.
Nota do MDHC
Procurada, a Casa Civil deu outra versão: a de que o parecer do Ministério da Justiça e Segurança Pública, assinado por Flávio Dino em outubro de 2023, terá que ser validado novamente porque houve "troca de titulares de pasta" —agora é o ministro Ricardo Lewandowski que está à frente.
É necessário obtermos a aquiescência do novo titular acerca dos atos normativos para os quais haja participação do respectivo Ministério.
Nota da Casa Civil
A Casa Civil não informou prazo para que isso ocorra. Também procurado, o Ministério da Justiça e Segurança Pública disse que ainda não recebeu a minuta do decreto que recria a comissão para análise.
Análise de ossadas parada desde 2022
Enquanto isso, o trabalho de identificação das ossadas encontradas no cemitério de Perus, na zona de São Paulo, segue parado desde julho de 2022 na Unifesp, onde há 1.049 caixas da vala de Perus à espera de análise.
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Quero receberDescoberta em 1990, a vala de Perus foi usada pela ditadura para sepultar corpos de forma clandestina. Ossadas não identificadas foram enterradas entre 1975 e 1976.
Segundo Edson Teles, diretor Caaf (Centro de Antropologia e Arqueologia Forense) da Unifesp, o governo Lula iniciou tratativas para um terno de convênio que voltará a financiar os estudos. "Aguardamos a conclusão da confecção do acordo e o repasse."
Temos em torno de 200 caixas com ossos misturados de outros indivíduos, que provavelmente foram colocados juntos na abertura da vala. Falta essa fase, que é analisar os ossos misturados.
Edson Teles, da Unifesp
Governo Bolsonaro negou todos os pedidos
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foi extinta em 15 de dezembro de 2022, em um último ato dela naquele ano, na gestão Bolsonaro.
A recriação seria um segundo passo do governo Lula para retomar trabalhos de reparação de casos de violência praticados pela ditadura militar, após a retomada dos trabalhos da Comissão da Anistia —que estuda os casos e define indenizações de pessoas perseguidas ou prejudicadas pelos militares (Leia mais abaixo).
A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos era presidida pela procuradora da República Eugênia Gonzaga, que foi demitida do cargo em agosto de 2019. À época, Bolsonaro justificou a mudança porque "agora é um governo de direita."
A partir dali, a pasta sob o comando da então ministra Damares Alves, nomeou quatro novos nomes que cabiam ao governo (eram sete integrantes ao todo) e mudou os procedimentos para que os pedidos não prosperassem. Desde então apenas quatro reuniões foram feitas pela comissão, sem avançar em nenhum caso.
Apesar de existir de fato até o final do ano de 2022, ela não saiu do papel durante o governo Bolsonaro, segundo relatos de ex-participantes.
Não houve mais estudos de casos, e todos os pedidos feitos foram indeferidos.
Diva Santana, que integrava a comissão representando familiares
Comissão da Anistia pouco avança sob Lula
Em janeiro, o governo Lula indicou novos membros para a Comissão da Anistia, que analisa os processos de indenização a vítimas e familiares da ditadura. Apesar da recriação, os números do primeiro ano foram pífios, com apenas 80 casos julgados.
Tivemos um desmonte muito grande no governo passado, mas é um número ridículo de baixo sob qualquer consideração. Esse número gerou muita frustração.
Diva Santana
Segundo ela, afirmou durante na sessão reabertura dos trabalhos em 2024, existem hoje 7.000 processos para serem levados à pauta da comissão. A meta deste ano é analisar todos os requerimentos protocolados até 2010 — se esse objetivo for atingido, no próximo ano, devem ser analisados os casos pedidos entre 2011 e 2021.
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