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Eleição de desinformadores acende alerta sobre a checagem de fatos
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O tamanho da lista de desinformadores e negacionistas eleitos no primeiro turno das eleições deste ano é assustador - e já leva os checadores de fato do Brasil a refletir sobre possíveis mudanças nessa prática jornalística.
A conversa parte de uma dúvida angustiante: será que o combate ostensivo às notícias falsas e aos "fatos alternativos" ajudou a popularizar quem aposta nisso? Ou será que, na verdade, a checagem de fatos - finalmente popularizada no Brasil - foi exitosa e conseguiu impedir que a lista de políticos desinformadores com posse marcada para 2023 seja ainda maior?
Desde 2016, quando Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, o mundo sabe que a lógica do "falem mal, mas falem de mim" funciona na política e reverbera positivamente nas redes sociais. Os algoritmos gostam de polêmica.
Também se sabe que figuras exóticas, com discursos controversos, tendem a atrair a atenção da mídia e ganhar horas de cobertura, sendo alvo de reportagens e checagens. Foi assim que Trump cresceu e se popularizou nos Estados Unidos.
Será que não vimos essa tendência por aqui?
É fato que, nos últimos dois anos de pandemia, milhares foram as vezes em que o fact-checking (e o jornalismo como um todo) voltou sua atenção para as mentiras ditas por figuras controversas que insistiam em narrativas contrárias à ciência e aos fatos mais evidentes.
O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, por exemplo, virou manchete por defender a falsa eficácia do tratamento precoce e por ter lançado um aplicativo que chegava a facilitar a prescrição de medicamentos sem eficácia comprovada no combate à covid-19. Sua fala à CPI da Pandemia chegou a ser checada em tempo real, graças - é claro - à transmissão ao vivo das tevês. Pazuello foi eleito.
Osmar Terra chegou a virar meme pelas diversas vezes em que tentou prever (e errou) o número de vítimas do novo coronavírus. Foi checado ao negar a importância da quarentena e ao defender a imunidade de rebanho. Também foi eleito.
O mesmo aconteceu com o ex-ministro Ricardo Salles, que se popularizou por deixar passar a boiada no meio ambiente, e com Nikolas Ferreira, que, por sua vez, se transformou no deputado mais votado do país depois de ter tentado visitar o Cristo Redentor sem estar vacinado. Ou alguém aí conhecia politicamente um dos dois antes de eles entrarem nos holofotes da imprensa por conta da desinformação que espalhavam?
É por isso que os checadores profissionais do Brasil acordaram com um sabor amargo na boca. O resultado do primeiro turno é sinal inegável de que o país está ainda mais imerso na desinformação e de que é preciso rever as armas que estão sendo usadas para combatê-la.
Sérgio Ludtke, editor do projeto Comprova, diz que é "ingênuo" pensar no trabalho de checagem hoje como se pensava em 2018.
"Tivemos menos conteúdos desinformativos neste primeiro turno de eleição (frente a 2018), mas isso não quer dizer que estamos numa situação melhor ou mais animadora. Pelo contrário. O que a gente viu foram peças de desinformação bem mais complexas, que se utilizam muito do humor, do cinismo e do deboche. Estamos vivendo bem mais a pós-verdade do que só a desinformação em si"
Sérgio Ludtke, editor do Comprova
"A gente precisa buscar novas abordagens, pensar de que maneira a gente expõe e dá visibilidade (aos desinformadores). Não tenho dúvidas de que, para algumas pessoas, ser verificado representa um troféu", acrescenta.
Natália Leal, CEO da Lupa, alerta para o crescimento de áudios desinformativos - formato mais difícil de ser verificado - e diz que foi "muito decepcionante ver que pessoas que estão alinhadas a narrativas desinformativas foram eleitas com votações expressivas".
"Isso não sepulta o fact-checking. É graças a essa prática que hoje falamos tanto da desinformação. Mas certamente precisamos ter mais atenção sobre o que vai ser o fact-checking daqui para frente. Verdadeiro ou falso não é mais suficiente".
Natália Leal, CEO da Lupa
Edgar Matsuki, editor do Boatos.org, diz que o fact-checking "cumpriu seu papel na medida do possível" e que conseguiu "mitigar algumas desinformações". Mas acha que o futuro dessa prática passa essencialmente pelo trabalho em conjunto, que supõe a colaboração e a livre troca de conteúdos.
Alessandra Monnerat, do Estadão Verifica, trouxe para a conversa um alerta importante: muitas das mentiras flagradas no primeiro turno de 2022 eram antigas. Já tinham sido checadas na última eleição presidencial.
E o que isso quer dizer? Que temos sinais claros de que as notícias falsas se enraizaram e que podem ter se consolidado como verdade em muitos espaços ainda pouco iluminados.
Cristina Tardáguila é diretora do ICFJ e fundadora da Lupa
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