Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Para acabar com a pandemia, precisamos falar sobre desigualdade
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Não é preciso ser muito inteligente para reconhecer que vivemos em um mundo absolutamente desigual. Os sinais estão em toda parte e são cada vez mais gritantes. Manifestam-se nas obviedades da realidade periférica e no coração dos centros mais desenvolvidos. Estamos falando de instabilidade econômica, desemprego, pobreza, fome e falta de acesso a serviços básicos que salvaguardem o mínimo da dignidade humana.
Segundo o "Relatório Social Mundial", publicado pela ONU no começo de 2020 a desigualdade é crescente para mais de 70% da população global, incluindo em países ricos e de renda média. De acordo com o estudo, quem ocupa o 1% do topo da pirâmide no quesito renda ficou ainda mais rico nas últimas décadas. Os dados apontam, por exemplo, que a renda média na América do Norte é 16 vezes maior do que na África subsaariana.
Essas notícias vão na mesma linha do "Time do Care", publicado pela Oxfam também em 2020. Segundo o documento, para se ter uma ideia das proporções do problema, basta ter em mente que a riqueza combinada dos 22 homens mais ricos do mundo é superior a de todas as mulheres do continente africano somadas.
Quando pensamos na realidade pandêmica, mais especificamente, temos um cenário ainda mais dramático. De acordo com o "Global Wealth Report" de 2021 elaborado pelo banco Credit Suisse, apesar do coronavírus, o mundo terminou o ano anterior com 56,1 milhões de pessoas somando riqueza superior a US$ 1 milhão, cerca de 10% mais do que as 50,9 milhões verificadas anteriormente.
A informação é corroborada pelo relatório "O Vírus da Desigualdade" da Oxfam, que mostra que, enquanto as 1.000 pessoas mais ricas do mundo recuperaram todas as perdas que tiveram durante a pandemia de covid-19 em apenas nove meses, os mais pobres levarão pelo menos 14 anos para fazê-lo. Estamos falando de um sistema internacional no qual 75% dos trabalhadores do planeta não têm acesso a quaisquer programas de proteção social.
Quando o assunto é cobertura vacinal, finalmente, os dados da OMS sugerem que enquanto países pobres conseguiram vacinar completamente apenas pouco mais de 3% de sua população, nos países ricos quase 60% completou o esquema de imunização. O problema não está, agora, na capacidade de produção, como era o caso em outros momentos, mas no acesso e monopólio de compra. Trata-se de um debate que passa por preços, por logística de transporte e por quebra de patentes, como já discutimos aqui em colunas anteriores.
Enquanto vemos não só a Covid-19 avançar ferozmente em algumas regiões do planeta, também testemunhamos o aumento de outras doenças, como sarampo, por exemplo, já que é preciso dividir os recursos disponíveis para lidar com tantos problemas simultâneos. Paralelamente, apesar das promessas, verificamos que os programas de ajuda internacional e de doação têm sido lentos e muito ineficazes.
Essa é uma questão moral e também pragmática: se queremos virar a página da pandemia, precisamos parar de olhar apenas para o nosso próprio umbigo e reconhecer que o mundo é um só, e que precisamos falar sobre desigualdade. Do contrário, estaremos todos, como humanidade, cada vez mais frustrados, desmotivados, ressentidos e doentes.
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