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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Três razões explicam por que as negociações entre Rússia e Ucrânia patinam

Bandeira da Rússia (esq.) e da Ucrânia (dir.) durante protestos em 2014 pela anexação da Crimeia pela Rússia - Getty Images
Bandeira da Rússia (esq.) e da Ucrânia (dir.) durante protestos em 2014 pela anexação da Crimeia pela Rússia Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

08/03/2022 17h16

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Negociações envolvem processos e contextos. Exigem informações apuradas e de alguma boa vontade entre as partes. Além disso, cada vez mais, têm na interdependência entre os atores um elemento central.

O caso da Ucrânia é emblemático sob essa perspectiva. A guerra parece se prolongar e as rodadas de negociação demoram a surtir efeito. Ao menos três razões ajudam a explicar o porquê disso.

1) Toda negociação, para ser viável, precisa que as partes sejam capazes de definir seus objetivos e sua disposição de realizar ajustes de expectativas. Não há como chegar a acordos sem conhecer os interesses e os limites dos atores envolvidos. Tampouco é possível avançar no diálogo sem reconhecer que negociações giram em torno de parâmetros, concessões e de uma busca por convergências mínimas.

No caso de Rússia e Ucrânia, há vários problemas nesse sentido. Em primeiro lugar, a crise envolve aspectos estruturais de grande complexidade e de demandas mutuamente excludentes. Além disso, o objeto da negociação, por si só, é difuso: qual o objetivo da guerra, afinal? Proteger as minorias russas oprimidas na região do Donbass, como afirmou o governo russo no ato da incursão militar? Forjar, em definitivo, o reconhecimento da Crimeia como parte da Rússia? "Desnazificar" a Ucrânia e desmilitariza-la, como passou a defender Putin dias depois dos primeiros ataques? Impedir o ingresso ucraniano em instituições como a União Europeia e a Otan? Depor o governo de Zelensky? Afastar o apoio ocidental da política doméstica de países estratégicos para a Rússia? Não estão claras as necessidades nem a hierarquia de prioridades daquele que, nesse momento, desfruta da posição de vantagem nessa barganha. Os russos querem tudo o que puderem ter e não parecem dispostos a desmembrar suas demandas para viabilizar o diálogo. Do outro lado, mal ouvimos falar sobre o que desejam os ucranianos, para além do óbvio cessar-fogo e, vez ou outra, alguma sinalização de que poderiam reconsiderar certas preferências. Na falta de uma agenda objetiva e realista, as negociações transformam-se em uma reivindicação abrangente de vantagens; uma tentativa de impor um jogo de soma zero ou um amontoado de clamores desencontrados.

2) Toda negociação, para ser exitosa, demanda que as partes reconheçam a importância de reservar, sob qualquer hipótese, uma saída digna ao seu interlocutor. Negociações que oprimem, constrangem ou subjugam não são, de fato, negociações. São ferramentas de dominação.

No conflito da Ucrânia, as rodadas que acompanhamos até agora deixam a sensação de que as cartas colocadas sob a mesa, principalmente do lado russo, sugerem uma permanente tentativa de formalizar a rendição ucraniana, e não um fim concertado para o conflito. Não há negociação sem o reconhecimento da legitimidade da outra parte.

3) Toda negociação, para ser longeva, precisa que as partes confiem minimamente umas nas outras e em sua disposição de cumprir os acordos firmados.

No caso da Ucrânia, as barreiras envolvendo confidence building estão no coração da crise. Não faltam notícias sobre desrespeito a determinações acordadas nas três primeiras rodadas de negociações. São diversas as denúncias de sabotagem e acusações de violações à trégua definida até mesmo para viabilizar a passagem de civis por corredores humanitários. Não é possível ir adiante quando os atores hesitam sobre o quanto de verdade deve ser revelado à outra parte e até que ponto os negociadores devem acreditar no que a outra parte diz.

Até o momento, esses têm sido os gargalos para o avanço diplomático na crise do leste europeu. Envolvem aspectos materiais e subjetivos, complexos e difíceis de manejar. Apesar disso, não se pode desprezar que o início de qualquer processo negocial está na disposição dos atores em fazê-lo existir. Rússia e Ucrânia parecem consistentes em manter esse canal aberto. Mais do que isso, as últimas informações reportam que os dois países reconhecem a urgência de um acordo para conter os danos, e que os lados apontam para uma redução da gama de demandas, o que atenderia ao primeiro dos passos listados nesse texto. Para um engajamento bem-sucedido e longevo, ficam faltando os outros dois.