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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No contexto da Guerra na Ucrânia, precisamos falar sobre sanções

Rublo pode sofrer desvalorização por causa das sanções internacionais - REUTERS/Alexey Malgavko
Rublo pode sofrer desvalorização por causa das sanções internacionais Imagem: REUTERS/Alexey Malgavko

Colunista do UOL

25/03/2022 19h41

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Ao longo do último mês acompanhamos o debate envolvendo a imposição de sanções econômicas do Ocidente contra Rússia como resposta à crise no leste europeu. Na literatura especializada de Relações Internacionais, essa contenda acerca das sanções é antiga, complexa e de poucos consensos.

Por um lado, a prática recorrente dessa estratégia sugere que os países identificaram, ao longo da História, razões que justificam esse tipo de ação. Por outro, existem também indícios de que as sanções são menos efetivas do que se pode presumir e, em alguns casos, que são responsáveis pelo aprofundamento de crises já existentes.

Análises envolvendo sanções passam por discussões sobre o timing em que são aplicadas e também sobre o perfil de quem as aplica e de quem as recebe. Há, entre os especialistas, quem indique que as sanções apenas são efetivas ainda no estágio de ameaças e não com um conflito deflagrado. Para funcionar, além de gerar custos efetivos para o sancionado, elas dependem da reputação do sancionador e da rede de apoio de que ele desfruta no sistema internacional.

A efetividade das sanções também costuma estar muito associada à dinâmica política doméstica do país alvo. Isso significa que, em países democráticos, as sanções tendem a ser mais efetivas, na medida em que existem estruturas e canais pelos quais a sociedade prejudicada pelas restrições econômicas pode manifestar sua insatisfação e gerar pressões para alterar o conjunto de preferências e interesses de um governo.

Em contrapartida, em regimes autoritários e centralizadores de poder, que cerceiam liberdades e restringem a capacidade de manifestação, há pouca evidência de que ações desse tipo promovam alterações significativas de rumo por parte das lideranças estabelecidas. Os meios para que as pessoas pressionem suas elites são limitados e envolvem custos de engajamento e contestação muito elevados.

Isso significa, muitas vezes, que a sociedade afetada pelas sanções se vê mais pobre e mais isolada, mas não dispõe de condições para promover um levante que culmine na derrubada da liderança estabelecido. Isso já ocorreu inúmeras vezes, incluindo as punições contra países como Coreia do Norte e Irã, nos últimos anos.

Enquanto as massas são punidas pelos atos de seus governos, as elites seguem encontrando meios de driblar as restrições, manter padrões de consumo e ter acesso, no mercado internacional, a recursos que garantam sua qualidade de vida e projetos de poder.

Além disso, não podemos nos esquecer que, muitas vezes, as sanções podem gerar revolta, incentivar a radicalização e incubar ressentimentos que, mais tarde, podem se transformar em conflitos ainda mais profundos e graves. As sanções favorecem narrativas nacionalistas, contribuem para a construção de "inimigos comuns" a serem combatidos, servem para aglutinar opositores dentro de um país e suscitam a defesa de posições de inflexibilidade.

Não é desprezível que importantes analistas atribuam a Segunda Guerra Mundial aos ressentimentos gerados no acerto de contas do pós Primeira Guerra. John Maynard Keynes, por exemplo, escreveu, no clássico "Consequências econômicas da Paz", que as condições impostas aos perdedores da Guerra no Tratado de Versalhes teriam sido as principais responsáveis por estimular um sentimento de humilhação em diversos atores chave daquele momento histórico. O ônus financeiro atribuído a países como a Alemanha contribuíram diretamente para levaram a hiperinflação dos anos 1920, alimentaram o nacionalismo alemão, contribuíram para consolidação do nazismo, e culminaram na Segunda Guerra Mundial.

No mundo de 2022, o Ocidente recorreu às sanções econômicas como forma de emitir alertas contra Rússia sem ter que, necessariamente, envolver-se de maneira direta num conflito cujo potencial de escalada militar culminaria em um confronto demasiado custoso e desinteressante para todas as partes. Desse ponto de vista, Estados Unidos e Europa optaram por jogar com as armas que tinham à disposição. Com isso, fizeram a Rússia sangrar e atingiram, no curto prazo, os objetivos pretendidos.

Do ponto de vista retórico marcaram posição, demonstraram coesão, capacidade de resposta rápida e reforçaram a perenidade de sua liderança. Fragilizaram a economia russa, expuseram elites econômicas, e surpreenderam o governo Putin com uma ação coordenada e ousada, que incluiu restrições no campo energético e o bloqueio de reservas internacionais do Banco Central russo, algo que muito provavelmente nem o Kremlin esperava ver acontecer.

As questões, agora, passam a ser os impactos de longo prazo dessa decisão. E não estamos falando de PIB, pressão inflacionária, ou do spillover que vai permear os mercados internacionais pelos próximos meses e anos. Estamos falando do efeito que as sanções terão no sentido de afetar a auto percepção dos russos, a sua visão de mundo, e qual eles entendem ser o seu papel na História pelas próximas décadas.

A experiência pregressa sugere que, "no melhor cenário", sanções são ineficientes e, "no pior cenário", elas acabam em conflitos muitas vezes piores do que aqueles que pretendiam reprimir.