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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nostalgia e ficção: os planos de Lula e Bolsonaro para a política externa

Os presidenciáveis Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) - Ricardo Stuckert e Isac Nóbrega/PR
Os presidenciáveis Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) Imagem: Ricardo Stuckert e Isac Nóbrega/PR

Colunista do UOL

21/08/2022 09h08

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No Brasil convencionou-se dizer que "política externa não dá voto". Isso porque, em geral, o eleitorado médio não costuma priorizar os temas ligados à essa dimensão. Apesar disso, conhecer os planos dos principais candidatos à presidência do país nessa matéria é fundamental, pois, em um mundo globalizado e interdependente, as consequências de nossa inserção internacional tendem a impactar, cada vez mais, a vida cotidiana.

Isso se dá desde os desdobramentos econômicos mais básicos ligados ao abastecimento de suprimentos, aos preços de produtos e ao acesso a mercados, até impactos profundos e mais complexos advindos da cooperação entre grupos ideológicos no campo transnacional ou mesmo relacionados à nossa imagem e reputação quando circulamos pelo mundo, seja como meros turistas, seja buscando oportunidades de negócios.

Por atribuir relevância ao tema, portanto, analisamos os planos de governo publicados pelos dois principais candidatos ao pleito de outubro próximo, destacando suas prioridades no campo de política externa.

No caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o documento enfatiza a importância de recuperar a política externa "ativa e altiva", termo cunhado pelo então chanceler Celso Amorim durante as gestões passadas do petista.

O texto fala no fortalecimento de um Brasil soberano, que busca ser respeitado internacionalmente e que almeja desfrutar de protagonismo global. Propõe o diálogo com todos os países, deixando claro que o Brasil não se submeterá à vontade de terceiros, e destaca a retomada da cooperação Sul-Sul com a América Latina e a África, além da integração regional e da atuação nos organismos multilaterais globais. MERCOSUL, UNASUL, CELAC e BRICS são especificamente mencionados.

No material do atual presidente Jair Bolsonaro (PL), a defesa da democracia, da soberania e de uma vocação universalista ganham destaque. O documento também fala da importância de atrair investimentos internacionais por meio de parcerias econômicas e comerciais, da necessidade de reduzir dependências externas, bem como alavancar recursos para a base industrial e de defesa. OCDE, BRICS, G-20, FMI, ONU e OMC são nominalmente citados.

Como é de se esperar, os documentos divergem muito quanto ao diagnóstico do atual momento do país. O plano de Lula fala em isolamento internacional do Brasil. O plano de Bolsonaro defende que o país "ocupa uma posição de grande relevo na comunidade internacional".

Sabemos que esse tipo de texto costumar ser vago e, muitas vezes, um tanto quanto protocolar. Ainda assim, é impossível terminar a leitura de ambos sem alguma inquietação. Em nenhum dos casos o problema está no que ali consta escrito, mas no confronto entre linhas frias e a realidade nua e crua.

O plano de Lula para a política externa

No caso do material de Lula, o incômodo está na percepção de que a equipe tenta se comprometer com o resgate de um passado que não existe mais. O Brasil de 2022 não é mesmo, definitivamente, o Brasil de 2002. Tampouco o mundo segue inalterado.

O ambiente internacional é, sem dúvida, mais instável e repleto de novas sensibilidades - características estruturais que criam um novo e mais escorregadio contexto para países em desenvolvimento. O Brasil não vive o rescaldo da estabilização macroeconômica do pós plano real, nem se beneficia com um boom de commodities, como no início dos anos 2000.

A política doméstica consumirá boa parte do tempo e do capital político do próximo presidente, que precisará gerenciar um país empobrecido, mais violento e absolutamente polarizado.

No campo internacional, mesmo com toda a mobilização que se faça, os especialistas consideram que o Brasil levará décadas de trabalho consistente para recuperar sua própria credibilidade, corroída ao longo dos últimos anos. A pergunta que fica, portanto, é: haverá espaço, no novo governo, para construir o Brasil pujante que se promete?

O plano de Bolsonaro para a política externa

No caso do material de Bolsonaro, por sua vez, o documento chama a atenção por parecer completamente apartado do discurso corrente do presidente e da própria realidade de seu governo nos últimos 3 anos e meio.

Diferente do texto da campanha de 2018, que tinha a influência clara de uma ala mais ideológica de seus aliados, com menções à ameaça globalista e outros conceitos caros ao grupo de olavistas ligados ao presidente, dessa vez o discurso profissionalizou-se.

Traz contornos bem marcados da linguagem tradicional do Itamaraty. Em alguns momentos, repete frases já ditas publicamente por alguns de seus assessores mais próximos, como a ideia de que "o Brasil deve ser antifrágil", uma clara referencia à obra de Nassim Taleb, que já foi reiteradamente referenciada nos mesmos termos pelo diplomata Tiago Siscar, que trabalhou diretamente com o presidente nos primeiros anos do governo e agora serve o país na ONU. A pergunta nesse caso é: como acreditar nas promessas de um futuro bom quando temos diante de nossos olhos indícios tão diferentes do que ali está escrito?

Esse é o resumo da comparação a que nos propusemos: de um lado, o resgate nostálgico do mundo de outrora; de outro, uma peça de ficção.