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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sei que é final da Copa, mas precisamos falar sobre o Irã

A atriz Taraneh Alidoosti - Divulgação
A atriz Taraneh Alidoosti Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

18/12/2022 11h11

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Há meses temos acompanhado o desenvolvimento de um enorme levante popular no Irã. Trata-se da "Revolução das mulheres", como tem sido denominada: uma onda de protestos que reflete insatisfações de longo prazo e articulações antigas, mas que ganharam momentum após a morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos detida pela chamada "polícia da moralidade", sob a acusação de fazer uso inadequado do hijab.

O que começou com denúncias de um apartheid de gênero no país e com a queima de lenços em praça pública, avançou para críticas de múltiplas dimensões a respeito do regime, com homens e mulheres clamando pelo fim da República Islâmica em diversas partes do território.

A resposta do governo veio com violência e repressão. Por semanas, a imprensa e organizações internacionais de Direitos Humanos têm denunciado abusos variados das autoridades durante as manifestações.

Além de encarceramentos, os relatos dão conta de que a polícia do Irã simplesmente teria aberto fogo contra pessoas desarmadas, incluindo adolescentes e estudantes.

O capítulo mais recente foi a prisão da atriz Taraneh Alidoosti neste sábado, após uma postagem no Instagram em que ela aparece sem o hijab e segurando uma placa com o lema dos protestos: "mulheres, vida, liberdade".

Alidoosti é uma figura conhecida no país e ganhou visibilidade internacional depois de ter protagonizado, entre outros, "O apartamento", vencedor do Oscar de 2017 na categoria de "melhor filme estrangeiro".

Na internet, iranianos tentam chamar a atenção do mundo para a crise que afeta o país. Investem no uso das redes sociais para dar visibilidade aos protestos e, com isso, buscam sensibilizar atores internacionais importantes. A difusão da hashtag #mycamaraismyweapon é um dos exemplos disso.

Apesar do empenho, no entanto, a capacidade de difusão dessa mensagem tem encontrado barreiras variadas. Em parte, coincide com a grande mobilização da mídia internacional em cobrir a Copa do Mundo, tema que captura a agenda em alguns lugares do planeta nas últimas semanas.

Em parte, se explica por escolhas políticas de lideranças cujo posicionamento poderia fazer diferença nessa crise, mas que optam por endereçar outras prioridades que consideram mais urgentes, sobretudo no campo doméstico.

Entre as potências ocidentais, nos Estados Unidos e na Europa, o foco está em acomodar as pressões causadas principalmente pela pressão inflacionária, que afeta o preço dos combustíveis e dos alimentos.

Isso faz com que, na hierarquia das crises globais, a Guerra na Ucrânia consuma boa parte dos recursos e do capital político disponível.

Na China, por sua vez, a política da "covid zero" monopolizou as atenções do governo, que busca, neste momento, garantir alguma estabilidade e conter as críticas internas que vem sofrendo diante da estratégia para lidar com a pandemia.

Há de se relembrar ainda que, na dinâmica geopolítica, o Irã conta com aliados que não são desprezíveis e que precisam ser incorporados no cálculo daqueles que poderiam levantar a voz contra o regime.

O maior deles, a Rússia, compartilha com Teerã o desejo de contrapor e de conter a influência dos Estados Unidos, sobretudo na região da Ásia Central.

Sem surpresa, Moscou é o maior provedor de armas ao Irã. Além dos russos, o governo do Ali Khamenei tem ainda o apoio da Síria e de grupos-chave no Iraque, no Yemen e no Líbano.

Até o Catar, cujas manchetes agora trazem à tona majoritariamente atualizações sobre futebol, é visto como um importante player nessa conversa, não só em função do comércio bilateral que realiza com o Irã, mas porque tem sido sistematicamente implicado no financiamento de forças pró-iranianas, como é o caso do Hezbollah.

Sabemos que, quando se trata de relações internacionais, os países tendem a se mobilizar apenas quando seus interesses diretos estão ameaçados ou quando vislumbram, em uma crise externa, a oportunidade de defender narrativas convenientes para si. A falta de amplificação do que vêm ocorrendo no Irã passa por um problema de timing para alguns, e de vontade política para outros.