Acreditar que 'agora seria diferente' na Venezuela era pura ingenuidade
Sabemos que pesquisas, muitas vezes, não refletem a realidade - seja por método, seja por servirem a interessem políticos. Sabemos também que nenhuma sociedade é homogênea, e que até os governos mais controversos possuem a legitimidade de vorazes apoiadores - seja por convicção ou apenas por conveniência.
Ainda assim, não dá para normalizarmos comportamentos como os que testemunhamos no pleito de 2024 na Venezuela: inviabilização de candidaturas competitivas contra o regime, tentativas de supressão eleitoral, e falta de transparência nas apurações dos resultados.
Não é possível assistir, sem incômodo, o discurso de um líder que fala em "banho de sangue", caso seja derrotado.
Não é admissível que o procurador-geral do país, responsável por fiscalizar a eleição, demonize pesquisas de boca de urna, declare antecipadamente a "inevitável vitória" de seu candidato preferido, e ameace prender quem "usurpar as funções exclusivas do órgão eleitoral" (seja lá o que isso signifique).
Não é razoável que toda crítica externa seja vista como "operação de intervenção". Isso costuma caracterizar diversionismo e tentativa de manipulação das massas por meio da criação de inimigos comuns a serem combatidos. Enquanto isso, dentro do governo, "passam-se as boiadas".
A eleição deste fim de semana na Venezuela demanda um olhar muito cuidadoso e permeado de nuances - até por isso, também exige uma postura que não pode permitir certas relativizações.
Colocar a máquina do Estado à disposição do governo para inflar popularidade e sabotar candidaturas contrárias são problemas graves que contribuem para déficits democráticos. Autocracia eleitoral é uma coisa, democracia, outra.
Democracia requer mais do que apenas votos. Demanda pluralismo político, respeito ao Estado de Direito, separação e autonomia entre os poderes, liberdade de oposição, respeito às minorias, liberdade de imprensa, entre outras coisas. Democracia requer compromisso consistente com certos valores e estrutura institucional que preserve um sistema competitivo e perene de freios e contrapesos. Isso não existe na Venezuela que conhecemos.
Se Maduro nunca deu sinais de respeitar vários desses requisitos, por que agora se prestaria a esse papel? Sem supressa, portanto, é compreensível que boa parte da comunidade internacional desconfie dos resultados da eleição. Trata-se de algo perfeitamente lógico e racional, considerando os parâmetros anteriores que temos desse regime.
Que incentivos Maduro teria para agir diferente desta vez? Quais interesses explicariam uma mudança de padrão nesse momento? Nada disso esteve claro. Talvez o sentimento de "agora vai" propagado mundo afora tenha sido, o tempo todo, mais "wishful thinking" do que necessariamente uma expressão da realidade.
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