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Lula e Biden concordaram sobre dois temas, mas houve um 'terreno espinhoso'
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Aconteceu ontem, em Washington, o primeiro encontro presencial entre Biden e Lula desde as eleições de ambos. Conforme previsto, foi mais uma oportunidade de aproximação entre os dois líderes do que necessariamente uma reunião de trabalho com vistas a anúncios audaciosos.
Entre os principais temas discutidos: democracia, meio ambiente e estabilidade internacional. Nos dois primeiros, convergências; no terceiro, terreno espinhoso.
Biden e Lula dedicaram parte considerável da reunião para tratar dos desafios que os dois países enfrentam no que tange à defesa das instituições, combate à desinformação e violência política.
As preocupações com o extremismo e os discursos de ódio constaram não só nas falas públicas dos dois líderes, mas também no documento final produzido sobre o encontro. Juntos, inclusive, reforçaram a importância da Cúpula da Democracia, introduzida por Biden em 2021, e que já tem novo encontro marcado para esse ano.
Além disso, como esperado, também colocaram em destaque as possibilidades de cooperação no campo ambiental. Crise climática, desenvolvimento sustentável e transição energética constituem os pilares que pautam os interesses mútuos nesse sentido.
Como resultado, as diplomacias dos dois países anunciaram que Grupo de Trabalho de Alto Nível Brasil-EUA sobre Mudança do Clima (GTMC), criado em 2015, será retomado e que deve voltar a reunir-se em breve.
No comunicado conjunto, divulgado após o encerramento do encontro a portas fechadas, veio também a sinalização de que o governo Biden tem a intenção liberar o envio de recursos para a proteção de florestas no Brasil, incluindo ao Fundo Amazônia.
Sobre a guerra na Ucrânia, um dos temas sensíveis do encontro, o documento oficial limitou-se em dizer que "ambos os presidentes lamentaram a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia e a anexação de partes de seu território como violações flagrantes do direito internacional e conclamaram uma paz justa e duradoura" e que "expressaram preocupação com os efeitos globais do conflito na segurança energética e alimentar, especialmente nas regiões mais pobres do planeta".
Foi uma vitória norte-americana, ao menos no campo do discurso, na medida em que o material foi enfático quanto à atribuição de culpa à Rússia pelo conflito, algo que o Brasil já tinha reconhecido formalmente, mas que o presidente Lula sempre costuma tratar de forma ambígua e com certa hesitação. Além disso, ao menos na comunicação oficial, o chamado "Clube da Paz", que gerou muito debate nas vésperas do encontro, ficou em segundo plano.
Da passagem de Lula por Washington, portanto, há três movimentos que saltam aos olhos e que merecem acompanhamento para que, daqui em diante, possamos refinar a leitura sobre o futuro das relações Brasil-Estados Unidos:
- Sobre defesa da democracia: é preciso acompanhar qual será a capacidade de articulação transnacional dos governos Lula e Biden e o quão inclusivas ela será. Visando compromissos de longo prazo no fortalecimento das instituições entre os dois países, é importante criar mecanismos formais de cooperação bilateral, mas, mais importante ainda, é fazê-lo garantindo interlocução bipartidária. Em sua passagem por Washington, Lula privilegiou encontros apenas com representantes da ala mais progressista, à esquerda, do Partido Democrata: Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez, por exemplo, além de ter visitado a AFL-CIO, maior central sindical dos Estados Unidos. São encontros compreensíveis e que dialogam com as bases do PT. Apesar disso, se o objetivo é conter a direita radical, isso implica unir esforços e fazer acenos a grupos moderados que possam se somar como aliados nessa cruzada.
- Sobre meio-ambiente: embora tenha havido anúncio de início de tratativas para ampliação de colaboração nesse sentido, e até mesmo disposição em contribuir com financiamento do Fundo Amazônia, é importante ter claro que dificilmente isso poderá ser feito por meio de uma simples "ordem executiva". O envio de recursos para um país estrangeiro não é simples e, nos Estados Unidos, usualmente precisa ser validado pelo Congresso, cumprindo os ritos burocráticos necessários (como passar pelo Appropriations Committee, por exemplo), além de depender de boa vontade política dos legisladores para aprovação em Orçamento.
- Sobre a estabilidade internacional: se, antes, os Estados Unidos já estavam incomodados com o perfil de "neutralidade" do Brasil no que tange ao conflito no leste europeu, agora precisará lidar com um governo que agrega à essa receita um novo ingrediente: a busca por protagonismo. Lula deixou claro, na passagem por Washington, que não desistiu da ideia, já testada na mediação da crise nuclear envolvendo o Irã em 2010, de atribuir papel central aos países em desenvolvimento para mediar conflitos de projeção global. Os dois líderes tergiversaram quando questionados sobre os desdobramentos em torno desse tema. É sinal claro de que embora não haja um projeto concreto em discussão, todos já entenderam os recados que se pretendiam dar mutuamente.
Seguimos atentos.
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