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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Documentos confidenciais expõem dilema sobre os limites do poder do Estado

1º.mai.2019 - Manifestantes a favor e contra Assange estiveram na frente de tribunal em Londres nesta quarta-feira (1º) - Henry Nicholls/Reuters
1º.mai.2019 - Manifestantes a favor e contra Assange estiveram na frente de tribunal em Londres nesta quarta-feira (1º) Imagem: Henry Nicholls/Reuters

Colunista do UOL

09/04/2023 08h03

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Acompanhamos, nas últimas horas, a notícia de que o Pentágono está conduzindo uma investigação sobre a autenticidade de capturas de tela com informações militares confidenciais dos Estados Unidos e da OTAN relacionadas à Ucrânia, que estão sendo compartilhadas nas redes sociais. O material gerou grande repercussão online e levou diversas autoridades a se manifestarem.

Tanto entre os apostam na veracidade dos documentos quanto entre os que acreditam em eventuais manipulações, o debate concentra-se, principalmente, nas intenções relacionadas à divulgação dessas informações. Afinal, a quem interessaria criar tal comoção e com que propósito? Se essa pergunta já parece suficientemente difícil de responder, existe outra, ainda mais ampla e complexa, que esse tipo de episódio sempre costuma suscitar: afinal, quais os limites para a imposição de sigilo na ação dos Estados?

Ao longo da História, os países sempre adotaram como prática a discrição no trato de certos temas. Daí derivou, inclusive, o sistema de classificação de documentos vigente até hoje. Documentos classificados são aqueles que contêm informações sensíveis e confidenciais, que são protegidas por legislação específica. Essas informações podem incluir segredos de Estado, informações de inteligência, diplomáticas ou empresariais privadas consideradas muito importantes. Esses documentos são geralmente marcados de acordo com o nível de sensibilidade dos dados que contêm, e o sigilo que incide sobre eles é igualmente proporcional. Alguns podem levar até um século para se tornarem públicos. Além disso, documentos classificados geralmente possuem restrições quanto à forma como são acessados, armazenados e compartilhados, justamente visando salvaguardar interesses nacionais.

As transformações no campo da tecnologia e das comunicações, associadas à problematização constante sobre eventuais abusos de poder por parte do Estado, levaram, no entanto, à profusão de críticos desse tipo de prática nos últimos anos. Entre os nomes mais vocais dessas causas estão figuras como Julian Assange e Edward Snowden, por exemplo.

Embora as alegações envolvendo divulgação de informações públicas dos Estados Unidos sejam diferentes nos dois casos, ambos defendem a noção de que o público tem o direito de saber sobre o que o governo está fazendo em seu nome. Assange é fundador do WikiLeaks, um site que publica informações confidenciais e vazamentos de governos e empresas em todo o mundo. Ele alega que a divulgação de informações secretas é necessária para promover a transparência governamental e a liberdade de informação, e que o público tem o direito de saber o que os governos estão fazendo em segredo. Já Snowden é um ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos que expôs a vigilância em massa do governo norte-americano sobre os cidadãos estrangeiros e também do próprio país. Ele alega que a divulgação dessas informações foi necessária para proteger os direitos das pessoas e para expor a violação da privacidade praticada em larga escala pelo governo dos Estados Unidos.

O dilema, portanto, está posto e ganha complexidade a cada dia. De um lado, sabemos que, em relações internacionais, principalmente, o sigilo é importante para proteger informações que podem prejudicar a segurança nacional, a reputação do Estado, ou o bem-estar dos indivíduos. O acesso a certas informações, portanto, demanda cuidado e, no mínimo, treinamento adequado. Por outro lado, também é preciso reconhecer que, muitas vezes, a divulgação de informações secretas é uma forma de responsabilizar o governo por atos que ele apenas realiza por acreditar que se manterão privados do grande público. Trata-se, nesse sentido, de um mecanismo para contrabalançar poder, evitar excessos e proteger direitos individuais.

No século das liberdades, eis mais um difícil debate para acompanhar.