Máfia italiana negociou armas por cocaína com milicianos do Rio
O integrante da 'Ndrangheta Rocco Morabito negociou com milicianos do Rio de Janeiro o envio de 400 armas em troca de tabletes de cocaína, segundo documentos da polícia italiana aos quais o UOL teve acesso.
Ele é um dos 22 mafiosos italianos presos no Brasil, nos últimos dez anos.
Morabito esteve pessoalmente em três favelas do Rio de Janeiro, não identificadas pela polícia, no ano de 2021.
Nessas favelas, ele esteve com um "representante de um grupo paramilitar" identificado apenas como "Flamengo".
As investigações não identificaram qual criminoso brasileiro atenderia pelo nome de "Flamengo" nas negociações com Morabito.
Em trocas de mensagens interceptadas pela polícia, Morabito conversou com um comparsa sobre o assunto.
Ele afirmou que teria à disposição 400 armas "de todos os tipos" prontas para exportação.
O pagamento, porém, não seria feito em dinheiro. Morabito e a 'Ndrangheta tinham a intenção de trocar as armas por tabletes de cocaína.
Esses tabletes estavam tabelados no valor de 5,3 mil euros na compra. Segundo a polícia italiana, o grupo venderia a 26 mil euros o quilo na Europa.
Remessa de armas
Investigação feita pela polícia italiana mostra que, além de ser um dos principais chefes da máfia calabresa 'Ndrangheta, Morabito chefiou uma "imponente atividade de tráfico de drogas e armas da América do Sul para a Europa".
Essa atividade ocorreu em fevereiro de 2021, três meses antes da prisão de Morabito.
Conforme a investigação, Morabito organizou uma remessa de armas que sairiam da Europa com destino à América do Sul. Aqui, elas teriam como destinos as mãos de guerrilheiros, grupos paramilitares e seguranças de cartéis.
"Em particular, ao longo da presente investigação foi documentada a organização de uma expedição para o Brasil de um contêiner cheio de armas de guerra precedentes dos países da ex-União Soviética, fornecidas por uma organização criminosa atuante na Itália e no Paquistão", aponta o documento.
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A 'Ndrangheta tem operações em 45 países e fatura até US$ 50 bilhões por ano, segundo relatório da Agência da União Europeia para a Cooperação Policial.
Parte da cocaína comprada na América do Sul e distribuída em países europeus e africanos escoa pelo porto Gioia-Tauro, na Calábria, sul italiano, dominado pelo grupo.
Os principais parceiros da 'Ndrangheta no Brasil são membros do PCC (Primeiro Comando da Capital), que coloca cocaína em navios que atracam nos portos brasileiros, principalmente o de Santos.
Morabito e, seu principal aliado Vincenzo Pasquino, promovera 15 desembarques de cocaína no porto calabrês entre 2019 e 2021
Condenações na Itália
Na Itália, Morabito tinha quatro condenações relacionadas a tráfico internacional de drogas e associação à organização mafiosa, pelos tribunais de Milão, Palermo e Reggio Calabria. Somadas, as penas chegam a 103 anos de prisão, mas, com a unificação delas, a pena imposta era de 30 anos.
Em 2 de setembro de 2017, ele foi preso em um hotel de Montevideu, no Uruguai. No momento da detenção, estava com um passaporte falso, o qual utilizava para passar-se por um brasileiro.
Enquanto aguardava processo de extradição para a Itália, porém, conseguiu fugir da prisão, em 24 de junho de 2019.
Segindo as investigações europeias, depois de fugir do Uruguai, Morabito se escondeu no Paraguai, Peru e, por último, Brasil, onde teria mudado de casa várias vezes. Familiares da Itália lhe davam aporte financeiro e logístico.
"Nomeadamente, Rocco Morabito desempenhou o papel diretivo e organizativo de coordenação das operações de importação do entorpecente, manteve os contatos com os fornecedores estrangeiros e cuidou das relações patrimoniais em relação aos capitais da associação", diz a Procuradoria-Geral da Itália.
Há registros de que Morabito tenha viajado ao Brasil desde, pelo menos, 1992. Principalmente para manter contato com o fornecedor jordaniano Khamis Walled, que vivia na região do Morumbi, zona oeste de São Paulo.
Só em 1992, ele esteve quatro vezes no Brasil, sempre em companhia de suspeitos de integrar ou fazer negócios com a máfia.
Naquele mesmo ano, uma apreensão de 592 kg de cocaína, escondida em latas de azeite, em Fortaleza, tinha sob suspeita Morabito como chefe do esquema.
Parceria com 'Ronaldo'
Em 25 de maio de 2021, Morabito voltou a ser preso. Desta vez, no Brasil. Junto de outro italiano, Vincenzo Pasquino, 34, conhecido como Ronaldo, em no terceiro andar de um hotel de Tambau, em João Pessoa.
De acordo com a polícia italiana, promoveu pelo menos 15 desembarques de drogas no porto Gioia-Tauro, na Calábria, de navios que saíram do Brasil, Colômbia, Equador e Panamá.
Pasquino tinha um pedido de prisão decretada pela Corte de Turim em outubro de 2019.
Em agosto 2017, depois de uma reunião entre mafiosos na Calábria, foi decidido que Vicenzo Pasquino viajaria ao Brasil para encontrar Patrick e Nicola Assisi, os principais elos entre a 'Ndrangheta e o PCC na Baixada Santista até o ano de 2019.
Ele desembarcou em Guarulhos em 1º de setembro do mesmo ano. Se encontrou com os Assisi e retornou para a Itália um mês depois.
A suspeita das autoridades europeias é a de que Pasquino e os Assisi tenham se encontrado, em Campos do Jordão (SP), com Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, apontado à época como a principal liderança do PCC em liberdade.
Atualmente, a suspeita do Ministério Público de São Paulo é a de que Tuta tenha viajado para a Bolívia e, lá, sido executado a mando da cúpula da facção paulista.
Morabito foi extraditado para a Itália em julho de 2022. Pasquino, em março de 2024.
Com a Procuradoria-Geral da Itália, Pasquino acertou uma colaboração premiada.
As autoridades brasileiras têm a expectativa de que, nela, haja revelações importantes para as investigações que traçam os negócios que existem entre 'Ndrangheta e facções criminosas brasileiras.
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