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Jamil Chade

A visão sombria da OMS sobre presidentes "loucos" e o fim da pandemia

29.abr.2020 - Enfermeira faz atendimento a paciente de Covid-19 na UTI do Hopistal Albert Einstein em São Paulo - Avener Prado/UOL
29.abr.2020 - Enfermeira faz atendimento a paciente de Covid-19 na UTI do Hopistal Albert Einstein em São Paulo Imagem: Avener Prado/UOL

Colunista do UOL

09/08/2020 04h02

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Na sede da OMS (Organização Mundial da Saúde), os primeiros dias da luta contra a covid-19 estavam concentrados em obter dados sobre o que era aquele novo vírus e, acima de tudo, montar uma estratégia para evitar que ele se espalhasse.

Fontes dentro da entidade revelam que, no centro de controle em Genebra (Suíça), poucos dormiam, enquanto uma queda de braços era travada com o governo de Pequim por acesso à informação, num período que ainda terá de ser esclarecido por investigações internas.

Quando a emergência foi declarada, em 31 de janeiro, menos de cem casos existiam fora da China. Mas a cada semana que se passava, a constatação era de que a "janela de oportunidade" para frear um problema sanitário global ficava mais estreita. Até que se fechou.

Hoje, com seus alertas sendo apenas em parte ouvidos por governos de todo o mundo, a agência insinua que o mundo terá de "aprender a conviver com a doença" por algum tempo. Ainda que a meta de suprimir o vírus não tenha sido abandonada, os especialistas acreditam que a ideia inicial de que a crise poderia ser de curta duração já foi sufocada pela realidade de quase 20 milhões de casos e 700 mil mortes, além de milhares de outros casos não contabilizados.

Mike Ryan, chefe de operações de emergência da agência, deu o tom durante a semana: "Pandemias levam muito tempo para serem controladas". Ele ainda deixou claro que seria irrealista pensar em voltar em colocar público nos estádios em 2020, criticou o comportamento de jovens e alertou que países terão de escolher entre abrir bares e escolas. No fundo, estabeleceu as bases de um cenário no qual a volta à normalidade não passa de uma ilusão.

Causou enorme desconforto há poucos dias uma frase do diretor da OMS, Tedros Ghebreyesus, de que talvez nunca haja uma "bala de prata" para acabar com o vírus. Uma onda de críticas o obrigou a suavizar os comentários, dias depois, insistindo que continuava esperançoso. Mas, dentro da OMS, é esse realismo que prevalece. A entidade sabe que, para várias doenças que continuam a matar pelo mundo, o desembarque de vacinas não as erradicou. E, mesmo quando isso foi possível, a operação levou anos.

"Guerra" por uma nova vacina

Ainda que as vacinas tenham êxito em sua capacidade de imunizar, há temores reais de que a guerra por elas será intensa e que o acesso aos remédios possa levar meses ou até anos para uma parcela da população mundial.

Se não bastasse, nos grupos de operação da OMS, outra preocupação se refere aos segmentos da população que continuam a resistir às vacinas, por opção.

Tedros tem alertado a pessoas próximas a ele que sua maior frustração nesses sete meses tem sido a incapacidade de líderes internacionais de superar suas diferenças e montar uma frente comum contra o vírus. O G-20 jamais agiu de forma contundente, o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) foi colocado na geladeira durante a crise e instituições internacionais não conseguiram o apoio necessário e nem recursos para dar uma resposta à altura.

O etíope culpa a "politização do vírus" pelo fracasso global. Longe das câmeras, sua avaliação é de que poucos foram os líderes que entenderam a dimensão da crise e montaram estratégias nacionais. A maioria usou o vírus para fins políticos ou minimizaram a crise para se manter no poder, ainda que às custas de vidas.

Em seu andar, no prédio da OMS, presidentes como Jair Bolsonaro e Donald Trump são tachados abertamente de "loucos" por seus comportamentos.

Jair Bolsonaro visitou a Ponte A Tribuna, antiga Ponte dos Barreiros, em São Vicente - Alexandre Schneider/Getty Images - Alexandre Schneider/Getty Images
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, durante visita à ponte A Tribuna, em São Vicente (SP)
Imagem: Alexandre Schneider/Getty Images

Falência moral

Considerações geopolíticas, eleitorais e mesmo de influência num mundo pós-pandemia também teriam pesado. Em diferentes momentos, Tedros elevou a voz contra tal atitude. "O que mais vocês precisam para agir?", questionou, quando o mundo chegou a 100 mil mortos. Agora é a vez de o Brasil chegar a este mórbido número.

Mas há também a percepção de que um macabro cálculo político foi feito por alguns desses líderes, sabendo que o vírus não era democrático e que não afetaria a todos da mesma forma. "Muitos dos mortos são invisíveis", admitiu um experiente negociador.

São moradores de periferias, indígenas, pessoas que vivem nas ruas, em clínicas de repouso ou idosos, numa sociedade que já não os valoriza. Dentro da OMS, a falta de ação de alguns governos sob a justificativa de que a covid-19 "apenas mata idosos" chegou a ser qualificada como um sinal da "falência moral".

Hoje, o preço que se paga é resultado em parte dessa politização, transformando o caminho para sair da crise em uma rota ainda mais longa.

A responsabilidade, ou ausência dela, dos políticos

Alguns dos principais nomes da ciência europeia também falam abertamente sobre a responsabilidade de governos pela morte de seus cidadãos. Para o epidemiologista suíço e colaborador da OMS, Didier Pittet, por exemplo, uma queda no número de casos nos EUA ou Brasil vai levar ainda "muito tempo" para ocorrer. "Os cientistas americanos são excelentes e avisaram da tragédia que estava chegando. Mas o presidente optou por não ouvir", insistiu.

"Esses dois países (Brasil e EUA) são exemplos de casos onde a política afetou a pandemia. Lamento dizer, mas nessas situações, a política afetou negativamente a crise. E, quando a reação vem atrasada, é muito difícil recuperar. O impacto vai ser enorme", disse.

Ryan, que comanda a resposta global da OMS, insinuou algo parecido, na semana passada. "Todos sabem o caminho a ser tomado. A questão mais difícil é se estão dispostos a seguir (esse caminho)", disse.

A politização chegou aos debates sobre o acesso à vacina. Ainda que seja positivo um número elevado de produtos candidatos, os especialistas lamentam que não haja uma coordenação maior entre as empresas e governos. Hoje, existem 26 vacinas em fase de testes clínicos e 160 em pesquisa.

Entre líderes, a corrida pelo produto se traduziu em troca de farpas, ironias e campanhas para minar a credibilidade da vacina concorrente. Na OMS, o comportamento é tido como "lamentável".

praia galicia covid - Getty Images - Getty Images
Praia na Galícia (Espanha). Países europeus impõem quarentena a cidadãos que visitarem o país ibérico
Imagem: Getty Images

Segunda onda de contágio na Europa

A longa rota também ficou evidente quando, nos últimos dias, houve a volta dos focos da epidemia por toda a Europa e mesmo em locais que pareciam ter derrotado o vírus. A região já soma 200 mil mortos e a nova onda reabre temores de que o impacto social e econômico será ainda mais profundo.

Alemanha, Espanha e França, por exemplo, voltaram a registrar mais de mil novos casos diários nesta semana, depois de meses de números relativamente baixos. Albânia, Bulgária, Romênia e outros países registraram, em julho, um maior número de casos diários que em abril.

"Estes últimos números mostram que a pandemia ainda não terminou", disse Jens Spahn, ministro de Saúde da Alemanha. "O que é preocupante é o aumento dos números que temos visto nos últimos dias e semanas. Se isto continuar, as coisas vão se tornar realmente difíceis", admitiu.

Uma vez mais, a política voltou a estar no centro do debate na Espanha quando, na Catalunha, o mês de julho registrou saltos importantes em novos infectados. Prefeituras acusavam o governo regional que, por sua vez, criticava o governo federal. Hoje, a Espanha calcula que existam mais de 500 focos da doença no país.

Antes, em junho, revelações sobre protocolos em Madri que sugeriam que idosos em clínicas de repouso não fossem transferidos para hospitais abriu uma guerra política entre diferentes partidos.

Restrições de viagens na União Europeia

Na França e Itália, comissões de inquérito ou processos foram abertos por procuradores para avaliar se houve algum tipo de negligência por parte das autoridades na resposta à pandemia.

O caso da Bélgica também é especialmente preocupante na Europa. O país ultrapassou a marca de 70 mil casos nesta semana e 9,8 mil mortes, uma das maiores taxas do mundo por habitante. A nova onda obrigou diferentes governos europeus a colocar restrições de viagens. A Alemanha, por exemplo, passou a incluir a província belga de Antuérpia à sua lista de zonas de risco.

No final de julho, os belgas adotaram novas medidas restritivas para conter a propagação do vírus e, assim, impedir o retorno de um bloqueio total de proporções nacionais. O número de encontros foi reduzido, assim como o total de pessoas em eventos públicos. Além disso, o governo apelou para que a população vá às compras sem acompanhantes.

Antes da pandemia começar, a Bélgica arrastava por 15 meses um impasse na formação de um governo. Com a crise, um governo de minoria foi formado.

Na Noruega, o governo anunciou novas restrições para turistas, o mesmo caminho adotado pelo Reino Unido e Suíça, que passaram a exigir uma quarentena a todas as pessoas que chegam da Espanha. Na Alemanha, todas pessoas retornando de locais de risco são agora obrigadas a ser testadas. A Finlândia também introduziu novos controles nos desembarques.

"A situação é extremamente delicada", disse a diretora do Ministério da Saúde, Liisa-Maria Voipio-Pulkki. "Uma espécie de segunda onda já começou". "Se podemos esperar uma onda menor ou uma onda maior depende de como respondemos".

A Polônia passou a exigir máscaras em algumas regiões, assim como a França. Já a Grécia endureceu os controles após o aumento das infecções por conta de festas e eventos.