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Jamil Chade

OMS: governo no Brasil não pode deixar povo com "mãos atadas nas costas"

Entrevista coletiva da OMS em Genebra -
Entrevista coletiva da OMS em Genebra

Colunista do UOL

10/08/2020 08h26

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A proliferação do coronavírus no Brasil não cai, a cloroquina não funciona e a doença continua ativamente se espalhando pelo país. O alerta foi emitido pela OMS, no momento em que o Brasil supera a marca de 100 mil mortos. A agência também deixa claro que o governo brasileiro terá de continuar a dar apoio financeiro à sociedade.

O recado foi uma resposta direta ao comportamento do presidente Jair Bolsonaro que, nos últimos dias, voltou a fazer uma campanha em prol da hidroxicloroquina, questionou o distanciamento social e criticou vacinas que possam vir da China. Além disso, ele deixou claro que o governo não teria como manter a ajuda financeira à sociedade.

Para a OMS, o distanciamento social precisa ser mantido no Brasil. Mas reconheceu que a sociedade precisa de ajuda.

"É difícil para muitos no Brasil", disse Mike Ryan, diretor de operações da OMS. "Muitos vivem em locais lotados e na pobreza. Manter essas atividades é muito difícil. "O governo deve continuar a dar apoio à sociedade. É difícil agir como comunidade se não recebe apoio. Não se pode empoderar comunidades com palavras. Elas precisam de ações. Ela precisa de recursos e conhecimento. Sociedades não podem agir com as mãos atadas nas costas. Elas precisam receber recursos e meios para agir", alertou o chefe da OMS.

Para Ryan, o Brasil continua a registrar entre 50 mil e 60 mil novos casos por dia, com uma taxa de proliferação entre 1,1 e 1,5. "O vírus ainda está ativamente se espalhando por grande parte do país", alertou. O representante da OMS fez questão de elogiar os profissionais do sistema de saúde do país e destacar como as UTIs estão lidando com a crise.

Em alguns locais, a ocupação varia entre 80% e até mais de 90%. "Qualquer um que trabalhe nisso reconhece a pressão", disse. "Manter isso por vários meses é uma tarefa praticamente impossível", alertou.

Ryan destaca que, em média, 20% das pessoas testadas no Brasil revelam que estão contaminadas, um número considerado como elevado. "Muitos indicadores apontam que a transmissão continua e contínua pressão sobre o sistema de saúde", disse.

Segundo ele, ainda que o número de casos aumente apenas entre 10% e 12% por semanas, a base é elevada. "O Brasil está mantendo um nível muito elevado da epidemia. A curva está mais achatada. Mas ela não está caindo e o sistema está sob dura pressão", afirmou.

"Hidroxicloroquina não é solução"

O irlandês voltou a repetir uma posição já conhecida da OMS de que a hidroxicloroquina não serve. "Num cenário como ele, o remédio não é a solução e não é a bala de prata". Por meses, a agência realizou testes com o remédio. Mas chegou à constatação de que ele não traz benefício.

"Cabe ao governo de forma soberana decidir qual é o melhor tratamento. Mas, no momento e a partir dos testes, ele (o remédio) não se mostrou eficiente", disse.

Vacinas

A OMS também deu uma resposta diante das críticas de Bolsonaro contra vacinas chinesas, insinuando que não seriam eficientes. Uma delas está sendo produzida em cooperação com o Instituto Butantan, em São Paulo.

"Todas as vacinas serão colocadas sob o mesmo teste rigoroso. Não há motivo para ter suspeita de nenhuma delas neste momento", disse Ryan. Ele garantiu que a OMS não dará o sinal verde para nenhuma das 160 vacinas sob teste hoje se não houver eficiência e segurança.

Suprimir, Suprimir, Suprimir

As críticas da OMS ao governo brasileiro ocorrem num momento em que a direção da entidade reconhece que parar o vírus está sendo "extraordinariamente difícil". Para Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da entidade, lideranças políticas precisam assumir a responsabilidade de agir.

Segundo ele, isso apenas vai ocorrer quando governos entenderem que terão de adotar todas as estratégias e instrumentos ao mesmo tempo contra o vírus. "Façam tudo", apelou, num recado para que as políticas incluam testes, rastreamento, ampliação de redes de saúde, uso de máscaras e distanciamento social.

"Vamos atingir 20 milhões de casos e 750 mil mortes. Há dor e sofrimento. É momento difícil. Mas existem esperanças pelo mundo. nunca é tarde demais para promover uma reviravolta. Para isso, precisa que líderes assumam suas ações e que as sociedades estejam dispostas a mudar seu comportamento", afirmou.

Tedros citou como Ruanda e Nova Zelândia agiram para interromper a doença, mesmo sem uma vacina e como diversos países voltam a implementar medidas. Segundo ele, é esse comportamento que vai permitir que as economias possam ser reabertas.