Jamil Chade

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Reportagem

Com ameaças de Maduro, Brasil manda alerta para respeitar resultado do voto

Por meios diplomáticos e canais informais, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mandou mensagens claras e alertas tanto ao presidente Nicolas Maduro quantos aos principais grupos de oposição na Venezuela para que respeitem o resultado da eleição, marcada para este fim de semana no país sul-americano.

Fontes em Caracas confirmam que a ação do governo brasileiro tem sido a de garantir que o processo eleitoral seja concluído e que as forças políticas do país optem por reconhecer uma eventual derrota, seja de que lado for.

A eleição é aposta central da estratégia brasileira para conseguir que haja uma normalização política da Venezuela e, portanto, uma estabilização regional, depois de 20 anos de uma crise política que expulsou mais de 6 milhões de venezuelanos para fora do país.

Mas, nos últimos dias, Maduro vem elevando o tom de ameaças e difundindo desinformação sobre o sistema eleitoral brasileiro, de que não seria auditável. O venezuelano ainda foi irônico, sugerindo que Lula tome um "chá de camomila" diante dos comentários do brasileiro de que ficou assustado com a postura de Maduro ao anunciar que haveria um "banho de sangue" caso ele não vença a eleição.

Após um acordo em 2023, em Barbados, Caracas aceitou realizar uma eleição em julho com a participação de membros da oposição e com a promessa de que seria um pleito transparente e justo. Maduro chegou a indicar que aceitaria o monitoramento internacional e, em troca, esperava que as sanções impostas por europeus e americanos fossem retiradas.

Ele também conseguiu, do lado de Joe Biden, a soltura de um de seus aliados e a retomada de importação de petróleo da PDVSA.

Mas, faltando poucos dias para a eleição, o país vive uma guerra de pesquisas de opinião e acusações de repressão, inclusive com o fechamento de mais de 50 sites e rádios.

Segundo a entidade Foro Penal Venezolano, 124 pessoas foram detidas ao longo do ano de forma arbitrária, com a liberação subsequente de vários deles. Desses detidos, 102 estariam vinculados ao comando da campanha de oposição. E ainda: 77 delas foram detidas desde que o período eleitoral oficialmente começou.

Seis dos colaboradores mais próximos da opositora Maria Corina Machado, impedida de concorrer pelo governo Maduro, continuam refugiados na embaixada da Argentina.

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No que se refere às pesquisas de opinião, a entidade Delphos indicou que a oposição liderada por Edmundo González poderia vencer com ampla margem e chegando a ter 59% de apoio da população. Maduro viria com apenas 24%.

Mas a empresa de pesquisas eleitorais Hinterlaces apresenta um cenário radicalmente diferente. Maduro venceria com 56%, contra 23% para a oposição. Grupos de imprensa também denunciam o fato de que, apenas nos últimos meses, pelo menos seis empresas de pesquisa eleitorais surgiram, todas elas apontando para a vitória de Maduro.

Diante do cenário, o governo Lula insiste que o que vale é o compromisso das forças políticas em respeitar o resultado.

Como foi a articulação?

A articulação do Brasil começou em fevereiro de 2023, quando o assessor especial da presidência, Celso Amorim, viajou até Caracas e se reuniu tanto com Maduro como com os vários grupos de oposição.

O momento chave foi o acordo de outubro de 2023, em Barbados e chancelado também pelo governo de Joe Biden. No caso das autoridades, o esforço de Lula foi o de demonstrar à presidência de que apenas um processo eleitoral transparente garantiria sua aceitação pela comunidade internacional, inclusive com a retirada de sanções.

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Silêncio diante de denúncias e mal-estar

Com o acordo feito, o governo brasileiro atuou para blindar o processo eleitoral e impedir que pressões e acusações fizessem um ou outro lado desistir dos compromissos.

Na ONU e outros organismos internacionais, por exemplo, o Brasil optou por permanecer em silêncio diante das acusações contra Maduro e os resultados dos inquéritos. A atitude foi criticada pela oposição e por grupos de direitos humanos.

Surpreendeu o tom usado por Lula em alguns momentos da reaproximação com a Venezuela e e seu entusiasmo em relação ao presidente Maduro.

Em maio de 2023, o brasileiro sugeriu que haveria apenas uma guerra de narrativas. "Eu vou em lugares que as pessoas nem sabem onde fica a Venezuela, mas sabem que a Venezuela tem problema de democracia, que o governo 'não sei das quantas'. Então, é preciso que você (Maduro) construa sua narrativa", disse.

Nos bastidores, a oposição revelou ao UOL que mostrou hesitação em relação ao Brasil e preocupação diante da postura adotada por Lula. Em uma reunião fechada com interlocutores brasileiros, o mal-estar ficou claro.

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Mas, em Brasília, o governo Lula insiste que não tomou lado e que, de fato, se manifestou quando violações ao acordo de Barbados foram registadas. Uma delas ocorreu no início de 2024, quando candidatos da oposição foram desqualificados.

Críticas de Lula

Em um acerto de posições com diplomatas americanos, o Brasil decidiu que o centro da questão não era o nome de Maria Corina Machado e sugeriu à oposição que buscasse um outro nome. Na Casa Branca, o entendimento era o mesmo: a preservação do compromisso de Barbados.

O outro momento de críticas públicas ocorreu nesta semana, quando Lula expôs o que, nos bastidores, o governo já vinha alertando.

"Eu fiquei assustado com a declaração do Maduro dizendo que, se ele perder as eleições, vai ter um banho de sangue. Quem perde as eleições toma um banho de voto. O Maduro tem que aprender, quando você ganha, você fica; quando você perde, você vai embora", disse.

"Se o Maduro quiser contribuir para resolver a volta do crescimento na Venezuela, a volta das pessoas que saíram da Venezuela e estabelecer um Estado de crescimento econômico, ele tem que respeitar o processo democrático", completou Lula.

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Correção de tom comemorada dentro do Itamaraty

Isso foi suficiente para que uma parcela da própria diplomacia brasileira tenha comemorado e respirado aliviada, gerando elogios por parte da oposição.

A correção foi interpretada ainda como uma espécie de seguro contra eventuais críticas, caso Maduro tente desmontar os acordos e cometa uma traição aos demais parceiros do pacto de Barbados.

Lula ainda indicou que enviará Amorim para acompanhar o processo eleitoral em Caracas, ainda que o assessor não tenha a função de realizar o que seria uma missão de observação da lisura de um processo eleitoral.

De forma independente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou ainda na semana passada que vai enviar dois representantes para acompanhar as eleições presidenciais na Venezuela. Em junho, a corte sinalizou que não enviaria ninguém.

Mas os recados de Lula também são dirigidos à oposição, principalmente diante da postura de alguns dos principais atores dos movimentos políticos contrários a Maduro que já indicam que, se saírem derrotados, vão denunciar uma suposta fraude na eleição.

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Para o governo brasileiro, essa postura tampouco ajuda e o pedido é para que haja um eventual reconhecimento da legitimidade do voto e de seu resultado.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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