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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Há 5 anos, ONU cobrou do Brasil medidas contra criminosos no Vale do Javari

O jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian, e o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira  - Foto@domphillips no Twitter e Bruno Jorge/ Funai
O jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian, e o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira Imagem: Foto@domphillips no Twitter e Bruno Jorge/ Funai

Colunista do UOL

09/06/2022 04h00

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Resumo da notícia

  • Alertas de 2017 e 2020 pediam a ação do estado brasileiro, diante da violência e invasões na região onde desapareceram Dom Phillips e Bruno Pereira
  • Fontes dentro do governo indicaram que funcionários da Funai usaram os alertas internacionais para pedir ajuda, sem êxito

O Brasil já foi alertado pela ONU (Organização das Nações Unidas) em diferentes ocasiões sobre a violência na região do Vale do Javari, onde nesta semana o britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira desapareceram.

Em dois comunicados —de 2017 e 2020— entidades internacionais denunciaram invasões indevidas e pediram providências do estado brasileiro. A ONU ainda alertou que a garantia de segurança de indígenas e outros atores sociais na região era de responsabilidade do estado.

O pedido da ONU foi ecoado internamente, com funcionários da Funai fazendo apelos para que um reforço de segurança e maior presença do estado fossem autorizados pelo Executivo. A partir de 2018 e 2019, os relatos são de que a violência ganha uma nova dimensão e, mesmo assim, o Palácio do Planalto optou por não atender aos pedidos dos indigenistas. Nos últimos meses, a questão indígena passou a ser alvo de constantes questionamentos por parte da ONU, denunciando as omissões do atual governo brasileiro.

Mas, de forma específica sobre o Vale do Javari, um dos alertas foi emitido há cinco anos. Naquele momento, a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) e o Escritório Regional para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos expressaram "preocupação" diante de um massacre de povos indígenas em isolamento voluntário, próximo aos limites superiores do rio Jandiatuba, na Terra Indígena Vale do Javari.

Naquele momento, as entidades internacionais pediram que o Brasil implementasse "medidas imediatas para realizar, em territórios indígenas, controle de entrada, vigilância permanente e ações para localizar e monitorar os movimentos territoriais dos povos em isolamento". O objetivo seria o de "proteger as comunidades indígenas em isolamento voluntário e contato inicial, e suas terras e territórios, de incursões ou atos de violência por parte de terceiros".

A CIDH e a ONU pediram também ao país para "adotar medidas para prevenir e responder às atividades ilegais de mineração, cultivo, caça, pesca e extração ilegal de madeira nos territórios indígenas em análise". Se o papel do Exército para combater a presença de garimpeiros ilegais no rio Jandiatuba era reconhecido, a entidade pressionava para que o esforço fosse expandido.

A entidade, em 2017, também destaca que a região do Vale do Javari tinha "a maior presença de povos indígenas isolados do mundo, o que exige esforços diligentes do Estado do Brasil para adotar políticas e medidas apropriadas para reconhecer, respeitar e proteger as terras, territórios, meio ambiente e culturas desses povos, bem como suas vidas e sua integridade individual e coletiva".

A CIDH e a ONU observavam "com preocupação que a região enfrenta atualmente um contexto caracterizado por um aumento das incursões e atos de violência contra comunidades em isolamento voluntário e contato inicial na região do Vale do Javari".

Segundo informações recebidas pelas duas instituições, o massacre foi apenas "um dos inúmeros relatos das comunidades indígenas de incursões e ataques contra os povos indígenas em isolamento voluntário e contato inicial na área, perpetrados por garimpeiros, agricultores e madeireiros ilegais".

Já naquele momento, as instituições apontaram para a suspensão das atividades da BPE (Base de Proteção Etnoambiental) da Funai (Fundação Nacional do Índio). A base, localizada no rio Jandiatuba, oferecia proteção aos povos indígenas isolados na Amazônia e sua suspensão "deixou as comunidades em isolamento voluntário e contato inicial em uma situação de vulnerabilidade em relação a terceiros".

Responsabilidade do estado

Naquele momento, a ONU alertou que estado tinha a "obrigação especial de proteger e respeitar os direitos das comunidades em isolamento voluntário e contato inicial por causa de sua situação única de vulnerabilidade". Tal obrigação fazia parte de uma série de documentos e tratados internacionais.

Em 2017, as entidades internacionais afirmam que o governo brasileiro respondeu informando que os garimpeiros suspeitos de estarem envolvidos nos ataques foram detidos e levados para prestar depoimento. Mas tanto a comissão como a ONU pediram que fossem apresentados os resultados das investigações.

A CIDH e a ONU ainda insistiram que o dever de proteção "é acentuado em terras indígenas demarcadas administrativamente para a proteção de comunidades indígenas em isolamento voluntário e contato inicial, como a Terra Indígena Vale do Javari".

"Por sua vez, a Comissão e a ONU lembram que os Estados devem adotar medidas imediatas de ação de forma articulada, visando evitar incursões nos territórios dos povos indígenas em isolamento voluntário e contato inicial na Terra Indígena Vale do Javari", completa.

Três anos depois, uma vez mais a situação na região do desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira chamava a atenção internacional.

Num informe, a Comissão Interamericana indicava que tinha recebido "notícias de que missionários evangelistas continuam a fazer visitas não autorizadas a populações em isolamento voluntário no Vale do Javari, Amazonas, Brasil, contrariamente às disposições legais e diretrizes da Fundação Nacional do Índio (Funai) daquele país".