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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Desaparecimento na Amazônia ameaça ampliar pressão externa sobre Bolsonaro

O jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian, e o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira  - Foto@domphillips no Twitter e Bruno Jorge/ Funai
O jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian, e o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira Imagem: Foto@domphillips no Twitter e Bruno Jorge/ Funai

Colunista do UOL

06/06/2022 18h34

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Os desaparecimentos na Amazônia do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira ameaçam ampliar a pressão internacional sobre o governo de Jair Bolsonaro, por conta do que é interpretado como uma chancela das autoridades à violência na região. A avaliação é de experientes negociadores e diplomatas brasileiros, que ainda esperam por notícias positivas sobre o paradeiro da expedição. Dentro do Itamaraty, o caso é visto com "preocupação" diante do impacto externo que o caso pode ganhar, inclusive por ser ano eleitoral.

A notícia ocorre num momento delicado para a diplomacia brasileira. Em Paris, nesta semana, a OCDE realiza sua reunião anual e prevê debater a adesão do Brasil. Ainda que o processo não tenha data para ser encerrado, negociadores europeus já indicaram que, sem um compromisso real do Brasil de lutar contra o desmatamento na Amazônia e a defesa das terras indígenas, não haverá um avanço real no debate sobre a entrada do país ao clube.

Ministros como Paulo Guedes (Economia) e José Carlos Oliveira (Trabalho) estarão em Paris para liderar o lobby por uma adesão do país. Mas funcionários do Itamaraty admitem que a notícia sobre o desaparecimento de um estrangeiro com projeção global "não ajuda" no processo de convencimento.

A notícia tampouco ajuda a agenda que Jair Bolsonaro esperava manter nos EUA, durante a Cúpula das Américas a partir de quarta-feira. O temor do Palácio do Planalto é de que o presidente seja cobrado ao visitar os EUA.

Se a região é foco de intensa violência e mortes frequentes de lideranças locais, o governo sabe que um incidente com um correspondente de um dos maiores jornais do mundo teria um impacto diferente. Por meses, a ONU, a Comissão Interamericana e ativistas têm alertado sobre a impunidade que reina diante de crimes na região. Mas a perspectiva de um desaparecimento desse porte causaria uma mobilização maior.

O caso dos dois desaparecidos reabre, segundo experientes diplomatas, o cenário da morte de Dorothy Stang, missionária americana morta em 2005 no Pará. O caso ganhou repercussão internacional e causou constrangimento para o governo no exterior. Naquele momento, documentos revelaram que o governo dos EUA desconfiava da capacidade da Justiça brasileira.

Telegramas publicados pelo grupo Wikileaks indicaram como os americanos tinham "sérias preocupações de que a polícia pode estar comprometida por ligações impróprias com grandes donos de terra na região que estão envolvidos em propriação ilegal de terra e desmatamento", diz um telegrama da diplomacia americana de 22 de fevereiro de 2005. Naquele momento, houve uma pressão sobre o então ministro da Justiça, Marcio Thomas Bastos, é até a participação do FBI nas investigações realizadas no Brasil.

Nos anos 70, em plena ditadura, casos de estudantes ou ativistas europeus que foram alvo de tortura também se transformaram em crises diplomáticas para o regime.

No caso do desaparecimento nesta semana, o temor é de que o caso possa abrir o debate sobre o descontrole que existe na região, a terra sem lei que se transformou a Amazônia e o papel das lideranças políticas em incentivar ataques.

Para Izabella Teixeira, ex-ministra de Meio Ambiente, o caso tem o potencial de ser "desastroso" para o Brasil.

Maria Laura Canineu, diretora do escritório da Human Rights Watch no Brasil, afirmou que a entidade está "muito preocupada". "É extremamente importante que as autoridades brasileiras dediquem todos os recursos disponíveis e necessários para a realização imediata das buscas, a fim de garantir, o quanto antes, a segurança dos dois", disse.

Num comunicado, o jornal britânico afirmou que "condena todas as formas de violência contra jornalistas e trabalhadores da imprensa".

No Itamaraty, fontes confirmaram à coluna que há uma mobilização por parte de diferentes áreas do governo para tentar encontrar os dois desaparecidos.