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"Pai" da Lava Jato questiona operação e diz que país não é menos corrupto
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O delegado aposentado da Polícia Federal Gerson Machado questiona as práticas da Operação Lava Jato e afirma que, ao contrário do que se imaginava, o Brasil hoje não é menos corrupto que antes do esforço do Ministério Público Federal e da PF.
Vivendo hoje em Portugal, Machado atuou nas origens da investigação em Londrina (Paraná) e que abriram caminho para a Operação Lava Jato. Chamado até internamente entre os agentes e delegados como o "pai da Lava Jato", ele havia se especializado na busca por dados financeiros e transações.
Seu papel acabou ganhando notoriedade na série O Mecanismo, da Netflix, e o delegado foi interpretado pelo ator Selton Mello. Machado e sua família, porém, contestam a versão que a série trouxe ao público.
Nesta sexta-feira, o ICL Notícias veiculou um trecho das mais de três horas de entrevista com Machado, realizada pela cineasta Petra Costa e por Jamil Chade. Nela, o delegado aposentado conta bastidores da delação de Alberto Youssef, questiona a ausência de investigações sobre os bancos brasileiros e pede que a Lava Jato seja investigada.
Procurado com diversas perguntas sobre as alegações de Machado, o ex-chefe da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, afirmou por meio de sua assessoria que não iria se pronunciar.
O ex-juiz Sérgio Moro emitiu um comunicado, mas não deu respostas diretas ao questionamento apresentado pela reportagem. "Apesar dos serviços prestados à PF, Gerson Machado foi aposentado compulsoriamente, após ser avaliado por uma junta médica, em que foi comprovado que não tinha condições psicológicas para exercer o cargo", disse a assessoria de imprensa do ex-juiz e ex-ministro. "É importante que a reportagem cheque a idoneidade das suas fontes", afirma.
"Alberto Youssef foi preso por duas vezes pelo juiz Sergio Moro, que foi quem desmantelou o esquema de corrupção da Odebrecht no Governo do PT", declarou.
Delação de Alberto Youssef
Um dos elementos questionados por Machado foi a delação inicial do doleiro Alberto Youssef, ainda de 2004. De acordo com o delegado aposentado, ele "comprovou" em dezembro de 2005 que o doleiro estava mentindo.
Segundo Machado, a informação foi levada ao então juiz Sérgio Moro que, por sua vez, apenas indicou que o dado teria de ser apurado. O delegado se queixava, porém, da falta de uma equipe para isso.
A informação indicava que Youssef teria usado uma empresa de um terceiro para continuar a cometer crimes. "Eu achei grave e reportei a Moro", disse Machado. Segundo ele, uma audiência foi realizada em fevereiro de 2006. "Ele (Youssef) chorou e reconheceu que tinha mentido. Eu sou testemunha disso", disse.
O doleiro, porém, explicou que "tinha medo de morrer" e que, portanto, "confirmou que tinha escondido essa pessoa". A pessoa envolvida era suspeita de ter matado dois indivíduos.
Segundo o delegado aposentado, Moro teria sugerido que a delação seria mantida se o doleiro entregasse algum telefone para ser grampeado. Machado, porém, insistiu que ele teria de entregar "tudo e todos". "Se ele tem medo de morrer, há um programa de proteção de testemunhas. Agora, meu papel de policial é mostrar a verdade", afirmou o delegado apostado.
Machado diz que o caso foi encerrado com o doleiro entregando um telefone para que a PF realizasse um grampo e a delação foi mantida.
Novas incoerências
Mas um segundo episódio ocorreu em Julho de 2006. Em Curitiba, Machado conversava com o doleiro e viu incoerência e valores altos em transações. "Quanto você ganhou com isso?", perguntou o delegado ao delator.
Ao entender que o valor era na casa de 20 a 25 milhões, Machado cobrou de que maneira o delator havia informado ao MPF. O doleiro alegou que os procuradores não cobraram, que ele pagou uma multa e que, assim, nada foi feito.
O delegado rejeitou a explicação. "Não, meu amigo. A lei diz que você precisa entregar o produto do crime ou a parte, se ja gastou", teria dito. Machado ainda afirmou ao delator que ele era testemunha de sua revelação.
Uma vez mais, o delegado foi procurar Moro. Mas ouviu apenas do então juiz que ele teria "apenas homologado" a delação e que sugeriria conversar com o MPF e instaurar uma representação.
O passo seguinte foi levar o assunto a Deltan Dallagnol, que indicou que Machado precisaria de provas. "Eu sou a testemunha, tenho fé pública", disse, indignado. Mas o embate permaneceu, enquanto o doleiro passou a acusar o delegado de estar "mentindo e perseguindo".
Uma vez mais, a delação não foi revista e seria apenas anos depois, na eclosão da Lava Jato, que o acordo seria desfeito.
Machado destacou, durante a entrevista, que chamava a atenção o fato de o doleiro e seu advogado ter "trânsito muito grande" com Moro e com o MPF.
Algum tempo depois, Machado afirmou que teria sido Deltan Dallagnol quem teria sugerido seu afastamento do caso, "alegando que tinha briga pessoal". Seus superiores alertaram que, se aquilo era apenas uma "sugestão", a realidade era que sua permanência "criaria problemas".
"Bandido virou mocinho, mocinho virou bandido", lamentou Machado.
Bancos sem investigação
Durante a entrevista, outro destaque de Machado foi a ausência de uma estratégia para investigar os bancos brasileiros e se o sistema financeiro nacional teve algum papel no esquema revelado de corrupção.
Avaliando casos de fraude em empréstimos e créditos para a compra de carros, o delegado afirma ter encontrado "muita fragilidade nas documentações apresentadas" e a existência de "laranjas" nos esquemas.
Ele, portanto, costurou para que uma operação de nível nacional fosse realizada. Mas seu projeto foi arquivado, enquanto se alegava que a PF não teria "estrutura" para tal iniciativa.
Para ele, outros "atos graves" também precisariam ser esclarecidos, entre eles o papel do doleiro Dario Messer e o fato de o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, nunca ter sido chamado para explicar um suposto depósito de uma de suas empresas ao ex-governador do Paraná Beto Richa. "Eles têm que responder", completou.
"Todas essas operações passam por bancos. O gerente não vê isso? Tem muita coisa para investigar", defendeu.
O Mecanismo e corrupção
A família de Gerson Machado também questiona o papel que a série O Mecanismo, de José Padilha, teve em promover o ódio contra a esquerda.
Ele afirma que aceitou fazer parte do projeto por pensar que seria, finalmente, um reconhecimento ao seu trabalho, "Quando vimos, não era nada daquilo", disse Valéria Machado, esposa do delegado aposentado. Em março de 2018, Machado conta que comprou uma passagem e foi ao Rio de Janeiro ver a estreia. "Ficamos surpresos com a abertura", disse Machado.
"Eu nunca deixei a casa, nunca namorei Youssef, nunca abandonei meu filho", disse a esposa. "Foi chocante, O que é isso? Não é verdade", lamentou.
Polêmica desde seu lançamento, a série avisa que é inspirada livremente em eventos reais. Já os personagens e situações foram modificados para atender a um efeito dramático.
Mas, para o delegado aposentado, a versão teve um impacto na imagem dos partidos, na narrativa da Lava Jato e no sentimento da população. "O povo merece a verdade", insistiu.
Questionado se o Brasil estava menos corrupto hoje, Machado nega. "Com certeza não", disse. "Está até pior", lamenta. Para ele, a operação ainda precisa ser passado a limpo. "Mas a Lava Jato é um grão de areia. O Brasil inteiro precisa ser passado a limpo", completou.
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