Topo

Jamil Chade

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Governo Lula repete silêncio de Bolsonaro sobre violações na China

10.03.23 - Xi Jinping presta juramento na recondução ao seu terceiro mandato como presidente da China  - NOEL CELIS/AFP
10.03.23 - Xi Jinping presta juramento na recondução ao seu terceiro mandato como presidente da China Imagem: NOEL CELIS/AFP

Colunista do UOL

24/03/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Ativistas de direitos humanos e dissidentes chineses cobram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que use sua viagem para Pequim para falar das violações de direitos humanos na China. A delegação brasileira desembarca neste domingo na capital chinesa, com a esperança de fechar acordos, abrir mercados e atrair investimentos.

Mas, mesmo dentro do governo brasileiro, há um reconhecimento que a pauta de direitos humanos é inexistente na agenda com Pequim. Procurado, o Itamaraty não respondeu se Lula vai tratar das violações de direitos humanos em seus encontros com os líderes chineses e nem sobre qual é a avaliação do país sobre as acusações de informes da ONU sobre crimes contra a humanidade cometidos pelo regime asiático.

"Essa viagem é um momento decisivo na relação do Brasil com a China", disse Maya Wang, especialista em China da entidade Human Rights Watch em entrevista ao UOL.

Nos primeiros anos do governo Lula, ela destaca que existia um "otimismo generalizado" de que a pauta de direitos humanos prosperaria na China e que uma sociedade mais democrática poderia surgir. "Mas o que vimos foi a implementação de medidas de controle social", lamentou.

"Muita coisa mudou na China desde o primeiro mandato de Lula, como presidente do Brasil", alertou a ativista.

Segundo ela, o governo de Xi Jinping "ampliou a repressão", encolheu o espaço para a sociedade civil e intensificou o controle sobre a imprensa e sobre a internet. Condenações ainda foram ampliadas contra qualquer dissidente e a repressão em Hong Kong, Tibete e outras regiões fortalecidas.

Para Wang, diante do silêncio do governo brasileiro, o país se confronta com perguntas reais:

O que o governo brasileiro defende, em termos de valores de direitos humanos?
Quem exatamente é o Brasil no cenário internacional?

Em sua avaliação, um governo que defendeu a democracia nas eleições de 2022 no Brasil deveria assumir essa mesma bandeira em sua política externa. "O Brasil seria um aliado fundamental na questão de direitos humanos", disse.

Entre os chineses e seus aliados, a principal acusação é de que o governo americano e europeus estão usando a agenda de direitos humanos para colocar pressão sobre Pequim e frear a expansão da influência asiática no mundo. Para os chineses, as cobranças são descabidas e não consideram as particularidades locais e os avanços nos direitos sociais e econômicos da população. Os chineses insistem que foram os primeiros a atingir a meta da ONU de reduzir pela metade o número de pessoas em extrema pobreza.

Lula mantém o silêncio de Bolsonaro

O que chama atenção dos ativistas de direitos humanos é a continuidade entre o governo de Lula e o de Jair Bolsonaro, no silêncio adotado nos debates internacionais sobre as violações de direitos humanos da China.

Nas últimas semanas, as violações cometidas por Pequim foram alvo de referências durante o Conselho de Direitos Humanos da ONU, com governos se perfilando para denunciar as práticas de Xi Jinping. Já o governo Lula nem sequer tomou a palavra para se manifestar.

No ano passado, ainda sob Bolsonaro, o Brasil se absteve na votação de uma proposta dos EUA de se realizar um debate sobre a situação no país asiático, depois que um informe do escritório da ex-alta comissária, Michelle Bachelet, concluiu que a China cometeu crimes contra a humanidade ao tratar de minorias étnicas.

O foco era o tratamento dado à população uigur e, de acordo com o informe, as suspeitas indicam tortura, desaparecimentos forçados e prisões arbitrárias.

"O Brasil tem mantido um silêncio quase absoluto sobre direitos humanos na China, só interrompendo seu silêncio para se abster de apoiar uma resolução que abriria um debate na ONU ao respeito", lembrou Raphael Viana David, responsável de advocacy para América Latina e China na entidade de direitos humanos ISHR.

"No caso da China, o Brasil não apoiou a possibilidade de um diálogo na ONU, enquanto promove diálogo para resolver muitas outras crises nacionais", ressaltou.

Para ele, não existe desenvolvimento sem direitos humanos como não existe direitos humanos sem desenvolvimento. "O Brasil não pode abrir um diálogo com a China sobre assuntos tão cruciais como fome, desenvolvimento e meio ambiente, sem falar dos crimes contra a humanidade que documentou a ONU na China", destacou.

"Não se combate mudança climática sem nómadas tibetanos perseguidos pelo governo, não se combate racismo sistêmico com um milhão de minorias muçulmanos em campos de reeducação e trabalho forçado", insistiu.

"Para ser levado a sério como líder em direitos humanos, Lula deve compartilhar suas preocupações com o presidente Xi sobre graves violações de direitos humanos na China, com base nos relatórios de dezenas de especialistas da ONU ao longo dos últimos quatro anos", defendeu o ativista.

"O que pedimos é simples: direitos humanos devem ser devidamente considerados na elaboração da posição externa do Brasil sobre a China. A ausência de considerações em direitos humanos trai a obrigação constitucional do Brasil de promover os direitos humanos na sua política externa", completou.

Pequim rejeitou a ideia de um debate. "O que os americanos querem é muito mais que um simples debate. Mas usar fóruns da ONU para intervir em temas domésticos", disse a delegação chinesa na ONU. "O que querem é instrumentalizar os direitos humanos", atacou.

Para os chineses, o governo americano "espalha rumores e mentiras" sobre a situação de direitos humanos na China, com o objetivo de "conter o desenvolvimento" do país. Para Pequim, tal proposta "não vai promover o diálogo e apenas gera mais confrontação". O regime comunista ainda alegou que tal iniciativa iria minar os trabalhos do Conselho de Direitos Humanos da ONU.