Jamil Chade

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Governo Lula ampliará aproximação de emergentes e China, se Trump vencer

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva prepara uma aproximação da China e de outros emergentes, principalmente na Ásia, caso o republicano Donald Trump vença as eleições presidenciais americanas, em uma semana.

Fontes em Brasília confirmaram ao UOL que, depois de um certo momento de alívio com o avanço dos democratas diante da entrada de Kamala Harris na corrida, o cenário voltou a deixar o Palácio do Planalto preocupado. Tecnicamente, os dois estão empatados, mas o que chama atenção é a queda de ritmo na campanha de Kamala.

Membros do governo insistem que Lula sempre soube lidar com forças políticas divergentes e citam a relação que existiu entre George W. Bush e o brasileiro, há 20 anos. Não há, portanto, da parte do Brasil, qualquer intenção de romper relações com os EUA, um dos maiores parceiros comerciais e de investimentos do país.

Ainda assim, uma vitória de Trump é vista pela diplomacia brasileira como um "complicador" para a estratégia de política externa do país. Lula vem insistindo na necessidade de se evitar que o mundo viva um racha entre blocos opostos e, na presidência do G20, tentou desmontar os enfrentamentos entre Rússia e China, de um lado, e os EUA, de outro.

Mas uma eventual vitória de Trump pode abalar essa estratégia e coincidiria justamente com a presidência do Brasil no Brics, hoje formado por alguns dos principais rivais de Trump, como China e Irã.

Mas outro aspecto que preocupa de forma imediata os brasileiros é o risco de que Trump volte a implementar uma política comercial protecionista. No final de semana, em Nova York, o republicano indicou que um de seus primeiros gestos seria a adoção de uma "lei de reciprocidade" comercial. Ou seja, caso os americanos considerem que estão sendo tratado de forma injusta num mercado, responderiam com tarifas contra produtos daquele país.

A questão é que qualquer gesto pode ser instrumentalizado para justificar uma barreira comercial. Além do setor agrícola, o Brasil também teme barreiras no setor da siderurgia, já que Trump teria de cumprir parte de sua promessa de dar preferência à indústria nacional.

Trump, no final de seu primeiro mandato, chegou a impor tarifas contra produtos siderúrgicos brasileiros. Naquele momento, o governo de Jair Bolsonaro não questionou, já que foi entendido que a barreira iria ajudar o republicano a ganhar votos. Brasília chegou a ser acusada de abrir mão dos interesses nacionais em troca de uma ajuda a Trump.

O governo Lula, portanto, teme que o caminho volte a ser o do protecionismo. Se isso se consolidar, a aposta é uma aproximação maior com chineses, indianos e com os países do Sudeste Asiático, que formam o bloco Asean.

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Parceria com a China

Uma parceria que aguarda uma definição das urnas americanas é com a China. Pequim insiste em ter o Brasil em seu projeto Cinturão e Rota, mega plano global chinês e que prevê investimentos.

O presidente Xi Jinping viajará ao Brasil em novembro, e a esperança dos chineses era anunciar a adesão do país, um dos poucos latino-americanos ainda fora do pacto. Documentos internos no Itamaraty, porém, apontam que o país não teria vantagens reais com a adesão, além de ter implicações geopolíticas e compromissos que atenderiam mais aos interesses de Pequim que às necessidades brasileiras.

Mas a ideia é que, se Trump vencer, os dois governos emergentes possam anunciar o início de um trabalho comum para encontrar "sinergias" entre os projetos de investimento do governo Lula e as ambições chinesas.

Novos acordos comerciais

O Brasil também quer restabelecer negociação para ampliar um acordo comercial com a Índia. A perspectiva é que, nos próximos dez anos, os indianos vivam o mesmo crescimento da classe média que experimentou a China há 20 anos. O consumo, portanto, poderia favorecer as exportações brasileiras.

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Outro foco é ainda um acordo com os países da Asean, bloco de emergentes asiáticos que tem visto um forte crescimento econômico.

O FMI espera que o crescimento econômico da China diminua de 5,2% no ano passado para 4,8% neste ano e 4,5% em 2025. Mas prevê que o Vietnã crescerá 6% em 2024 e 6,8% em 2025, tornando-se a economia de crescimento mais rápido entre os principais países da Asean. A economia das Filipinas teria taxas de crescimento projetadas de 5,8% em 2024 e 6,1% em 2025. A previsão é que ambos os países mantenham um forte crescimento, atingindo entre 6% e 6,3% ao ano até 2029. Já a Indonésia, a maior economia da Asean, deve crescer de forma constante, com 5% em 2024 e 5,1% em 2025.

COP30 ameaçada

Outra preocupação se refere ao sucesso da Conferência da ONU para o Clima, que ocorre no final de 2025 em Belém, Pará. Uma vitória de Trump, com sua agenda negacionista, é vista como "desastrosa" para a presidência do Brasil na COP30.

O temor é de boicote por parte de Trump a qualquer avanço nas negociações, esvaziando o evento que é considerado um dos pontos de maior destaque internacional para o governo Lula.

O Palácio do Planalto e os diplomatas não escondem que levar o mundo para a Amazônia, em 2025, tem como objetivo consolidar a posição do Brasil como líder no dossiê ambiental e promover uma nova inserção do país.

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Um sinal de alerta foi dado quando os movimentos de extrema direita anunciaram que, para o final de 2025, planejam realizar sua cúpula anual em Manaus, uma espécie de conferência anti-COP30, na mesma Amazônia que Lula quer promover.

Apoio à extrema direita regional

Outro temor se refere às pressões que Trump pode fazer na América Latina, transformando a Casa Branca no epicentro de uma onda de instabilidade na região e de apoio a grupos de extrema direita.

No fundo, esse caminho faria naufragar qualquer projeto mais claro por parte do Brasil para o restabelecimento da integração regional.

Também preocupa o impacto que uma vitória de Trump poderia ter em países como Cuba, Venezuela, Nicarágua ou Bolívia.

O temor é que sanções sejam ampliadas, com um impacto desestabilizador ainda maior.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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