A procissão de Carter, a posse de Trump e o adeus a um mundo
A data era 20 de junho de 1979. Jimmy Carter assistia à instalação de painéis solares sobre o teto da Casa Branca. O gesto fazia parte de sua "guerra" por energias alternativas e sua promessa de que, até o ano 2000, 20% de todo o abastecimento dos EUA viriam de fontes renováveis.
Seu sucessor, Ronald Reagan, não hesitou em faze-las desaparecer quando assumiu o governo. Oficialmente, as 32 placas foram enviadas para manutenção. Nunca mais retornaram para a Casa Branca.
Hoje, apenas 8% da matriz energética americana vem de fontes renováveis.
Nesta semana, enquanto os EUA se preparam para volta de Donald Trump ao poder a partir do dia 20 de janeiro, as imagens das principais redes de televisão são intercaladas com as cerimônias em homenagem ao ex-presidente Jimmy Carter, morto aos 100 anos.
Seu enterro está marcado para o dia 9 de janeiro. Mas, antes, seu corpo fez uma verdadeira procissão pelo estado de onde ele veio, a Georgia.
Uma procissão que parece marcar também a morte de uma outra política. Uma procissão que parece ir cantando a ironia de ver chegar, ao poder, um homem que representa o contrário do que Carter simbolizou.
Ainda em 1971, ao assumir o cargo de governador da Georgia, ele surpreendeu ao usar o discurso de posse para alertar que a "era da discriminação havia terminado". Num estado do Sul e que ainda fazia a transição de uma sociedade profundamente racista, sua fala foi respondida com um silêncio desconfortável entre o público e aplausos por parte das minorias.
Em sua gestão como presidente, a partir de 1977, Carter nomeou mais funcionários afroamericanos, latinos e mulheres para sua administração que todos os presidentes americanos que o antecederam, somados.
Hoje, Trump usa a discriminação como instrumento político.
Na procissão de adeus, a angústia também caminha ao lado do caixão do ex-presidente. Foi Carter quem assinou o acordo com o Panamá, consolidando a transição da soberania do canal ao país centro-americano. Trump, agora, ameaça retomar esse canal, inclusive usando a força.
Também foi Carter quem criou o Departamento de Educação. Trump, agora, quer fechá-lo.
Foi o democrata quem passou a usar o respeito aos direitos humanos como um critério na política externa. Cortou o repasse de armas para regimes autoritários latino-americanos e negociou o acordo de Camp David entre Israel e Egito.
Carter errou em diversos aspectos da política. Fracassou em tantos outros. Mas, enquanto o caixão do ex-presidente é levado em procissão, é o adeus a um mundo que parece estarmos assistindo, anestesiados.
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