Posto Ipiranga inaugura uma tenda de quiromancia
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Paulo Guedes faria um bem a si mesmo e à coletividade se evitasse prometer o que não cumpriu. Em matéria de PIB, o ministro flerta com a empulhação.
O Pibinho de 1,1% revelou que o Posto Ipiranga tinha mais lábia do que combustível para oferecer em 2019.
Neste início de 2020, o tanque continua vazio. Mas Paulo Guedes encostou na sua lojinha de conveniências uma tenda de quiromancia.
Foi curiosa, muito curiosa, curiosíssima a manifestação do ministro diante do crescimento mixuruca. Declarou o seguinte:
— Eu nem entendi essa comoção toda: 'Ah, 1,1%'. O que que eles esperavam? Era 1% que nós tínhamos dito que ia crescer no primeiro ano. No segundo ano, a gente acha que é acima de 2%, prosseguindo com as reformas".
Vale a pena atrasar o relógio para recordar que o orçamento de 2019, herdado do governo de Michel Temer, previa crescimento de 2,5%.
Em março, a pasta dirigida por Paulo Guedes rebaixou a estimativa para 2,2%. Em maio, previu 1,6%. E assim sucessivamente.
Quem não quiser fazer papel de bobo deve se vacinar contra o embuste da previsão de Paulo Guedes para o crescimento de 2020.
O segredo para uma boa imunização é prestar atenção ao que vem depois da vírgula. "A gente acha que é acima de 2%, prosseguindo com as reformas".
Na véspera, em almoço com movimentos como o VemPraRua e Movimento Brasil Livre, Guedes queixara-se da dificuldade de engatar as reformas pós-Previdência.
Nas contas do ministro, restam 15 semanas para aprovar no Congresso reformas duras de roer como a tributária e a administrativa.
Depois desse prazo, vem a campanha eleitoral de prefeitos e vereadores. O Congresso entrará em recesso. E babau.
Ora, o ministro cobra pressa na aprovação de reformas que não foi capaz de elaborar (tributária) ou que Bolsonaro preferiu engavetar (administrativa).
Quando escora suas novas previsões em reformas cuja aprovação é incerta, o ministro da Economia sabe que está apenas conversando fiado.
Em verdade, Paulo Guedes reinicia o ciclo anual do embuste. Sua estimativa de 2% revisa para baixo os 2,4% alardeados pela quiromancia oficial no início do ano.
A revisão de março será formalizada na semana que vem. Em maio, novo rebaixamento. Em julho, nova poda... Muda-se de ano, conserva-se a tapeação.
Sabe-se que o coronavírus rebaixa o crescimento da economia mundial. Mas Paulo Guedes descarta a hipótese de o Brasil.
"Nós temos a nossa própria dinâmica", disse o ministro, antes de adicionar à fantasia aritmética a eloquência de um camelô:
— O que nós temos que fazer, até em função da gravidade da crise lá de fora, é trabalhar mais forte, aprofundar as reformas, e nós vamos acelerar o nosso crescimento.
Atenção, não esqueça de reparar no que vem depois das vírgulas. Tudo vai dar certo, desde que Brasília consiga "trabalhar mais forte, aprofundar as reformas."
No final de maio de 2019, dias antes de o IBGE informar que o PIB do primeiro trimestre do ano fora medíocre —queda de 0,2%— o Posto Ipiranga ameaçara fechar as portas: "Pego o avião e vou morar lá fora."
Já naquela ocasião, o excesso de veneno na política intoxicava a economia, comprometendo o crescimento do país pelo terceiro ano consecutivo.
A recuperação depende da retomada dos investimentos. Algo que está, por assim dizer, pendurado numa palavra: Confiança.
Fácil de constatar, difícil de obter. Depois da ruinosa gestão de Dilma Rousseff, o impeachment e a pauta liberal de Michel Temer animaram a conjuntura.
De repente, o grampo do Jaburu carbonizou as expectativas. Em vez de salvar a Previdência e sanear as contas públicas, Temer priorizou o salvamento do próprio pescoço.
A eleição de Bolsonaro, com Guedes a tiracolo, reacendera o otimismo do mercado. Entretanto, a ilusão durou pouco.
Em cinco meses de mandato, já estava claro que, sob Bolsonaro, a única coisa que cresceria no Brasil seria a capacidade do capitão de produzir crises.
Já seria o suficiente para potencializar o pessimismo. Nem precisava do auxílio externo proporcionado por ruídos como a guerra comercial entre China e Estados Unidos. Ou o coronavírus.
Reformada a Previdência, encontram-se na ribalta as outras reformas. Sem interlocução com o Legislativo, Bolsonaro atiça as redes e o asfalto.
O brasileiro é um dos sujeitos mais bombardeados por notícias econômicas no mundo. Aqui, a economia tem mais espaço no noticiário do que o futebol. Quanto mais a economia não dá certo, mais manchetes ela ocupa.
Quanto mais o cidadão acompanha as novidades, mais percebe que entende apenas o suficiente para saber que precisa entender muito mais para descobrir o que leva o presidente de um país com quase 12 milhões de desempregados a desperdiçar tanta energia com tolices e desavenças políticas.
Nesse contexto, a materialização da ameaça de Paulo Guedes —"Pego o avião e vou morar lá fora"— talvez seja alternativa mais respeitosa do que a quiromancia. Bolsonaro decerto fará piada.
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