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Josias de Souza

Sem Witzel, clã Bolsonaro quer acomodar procurador-geral como Aras no Rio

Pedro Ladeira/	Folhapress
Imagem: Pedro Ladeira/ Folhapress

Colunista do UOL

29/08/2020 04h57

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Ao afastar Wilson Witzel do cargo de governador do Rio de Janeiro pelo período de seis meses por suposto envolvimento num esquema de desvio de verbas da Saúde, o ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, ofereceu dois motivos para a família Bolsonaro festejar —um político e outro jurídico.

Além de abater um inimigo político do clã presidencial, o magistrado abriu caminho para que Jair Bolsonaro e o primogênito Flávio intensifiquem a articulação para a realizar um desejo. A dupla tem a pretensão de acomodar na chefia do Ministério Público estadual uma pessoa com o perfil amistoso do procurador-geral da República Augusto Aras.

Vence em dezembro o mandato do atual procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem. Trata-se de uma espécie de anti-Aras. Ele é o responsável pela investigação contra Flávio Bolsonaro no caso da rachadinha.

Como que antevendo o que estava por vir, os Bolsonaro já haviam deflagrado um movimento de aproximação com o vice-governador Cláudio Castro, que assumiu as rédeas do estado nesta sexta-feira (28). O substituto do procurador-geral Gussem será indicado por ele.

Coube à subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, da equipe de Augusto Aras, encaminhar o pedido de providências contra Witzel ao STJ. Simpatizante de Bolsonaro, Lindôra pediu, entre outras providências, o afastamento do governador e o recolhimento de Witzel à cadeia.

O ministro Benedito Gonçalves arrancou Witzel da poltrona de governador. Mas indeferiu o pedido de prisão. Seu despacho surpreendeu os colegas. Avaliou-se que uma decisão como o afastamento de um governador eleito deveria ser colegiada, não individual.

Benedito submeterá o seu despacho ao crivo da Corte Especial do STJ, integrada pelos 15 ministros mais antigos do tribunal. A próxima reunião do colegiado ocorrerá na quarta-feira. Dá-se de barato que, a despeito da estranheza, as decisões do ministro serão referendadas.

Há no STJ ministros que consideram imprópria a atuação de Benedito no processo protagonizado por Witzel. Egresso do Rio de Janeiro, o magistrado é visto como amigo de Sergio Cabral, o ex-governador fluminense que está preso.

Em tese, a proximidade com Cabral seria suficiente para que Benedito se abstivesse de atuar neste processo. Witzel elegeu-se como antípoda do presidiário Cabral. Mas o ministro não se deu por achado. E não há no STJ quem se anime a colocar em dúvida a sua isenção. Até porque disseminou-se a impressão de que o Ministério Público colecionou farta matéria-prima contra Witzel.

Benedito Gonçalves chegou ao STJ em 2008, pelas mãos do então presidente Lula, de quem também se considera amigo. Cabral estava entre as autoridades que compareceram à posse.

Nos governos petistas, o ministro acalentou o sonho de ganhar uma poltrona no Supremo Tribunal Federal. Bateu na trave. Em 2016, Benedito foi abalroado por uma investigação sigilosa da Lava Jato.

A Polícia Federal apalpara mensagens trocadas entre Benedito e o empreiteiro Léo Pinheiro, sócio da OAS. O ministro conviveu com o incômodo da suspeição até março de 2019, quando a Procuradoria pediu ao relator do caso no Supremo, Edson Fachin, o arquivamento da investigação. Fachin arquivou.

O despacho em que Benedito ejetou Witzel da cadeira de governador chega num instante crucial para Flávio Bolsonaro. A pedido do senador, o Conselho Nacional do Ministério Público abriu no início de agosto procedimento adminstrativo contra Eduardo Gussem, o doutor a quem Witzel confiou as atribuições de procurador-geral do estado.

Gussem é acusado de desrespeitar a decisão do Tribunal de Justiça do Rio que concedeu foro privilegiado a Flávio, transferindo a investigação sobre a rachadinha da primeira para a segunda instância.

O chefe do Ministério Público estadual manteve o caso no âmbito do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc). O mesmo grupo que coordenava as investigações sobre peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete de Flávio desde março do ano passado.

O que a defesa de Flávio alega é que, depois que o processo subiu para a segunda instância, o titular da investigação deveria ser o próprio procurador-geral de Justiça. Gussem não discorda. Mas diz ter formalizado um termo de cooperação com o Gaecc, delegando poderes aos promotores que atuam no caso.

Esse embate compõe o pano de fundo da articulação para trocar Gussem por procurador-geral mais, digamos, colaborativo. Os Bolsonaro contavam com a perspectiva de que a Assembléia Legislativa do Rio aprovará o impeachment de Witzel.

O afastamento determinado pelo ministro Benedito Gonçalves chegou antes da decisão dos parlamentares. Daí o desejo da família Bolsonaro de apressar o estreitamento de sua inimizade com Cláudio Castro, o vice que as circunstâncias colocaram no comando do estado. A coluna apurou que Castro, submetido à mesma investigação que fulmina Witzel, compartilha do interesse de conversar.