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Josias de Souza

Definhamento da Lava Jato independe de Deltan Dallagnol

Colunista do UOL

02/09/2020 04h15

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A morte, dizia Nelson Rodrigues, é anterior a si mesma. Começa antes, muito antes. É todo um lento, um suave processo. A Lava Jato começou a morrer faz tempo. Seu definhamento é contínuo e inexorável. O desembarque de Deltan Dallagnol constará do necrológio da operação como um detalhe melancólico, não como causa mortis.

A Lava Jato não morre de morte natural. Esse tipo de desaparecimento está reservado à mediocridade. O maior e mais bem sucedido empreendimento anticorrupção já realizado no Brasil morre de morte matada. Levou vários tiros. Os disparos vieram dos quatro poderes da República: Executivo, Legislativo, Judiciário e o Dinheiro.

O sucesso da Lava Jato decorria basicamente de três novidades: 1) A corrupção passara a dar cadeia; 2) O medo da prisão potencializara as delações; 3) As colaborações judiciais impulsionaram as descobertas. Esse círculo virtuoso foi interrompido.

O Supremo Tribunal Federal retirou do caminho a regra que permitia a prisão de larápios condenados na segunda instância. Quem estava preso foi solto. Quem aguardava na fila relaxou. Ressuscitaram-se dois vocábulos venenosos: prescrição e impunidade. Grandes encrencados agora negociam com o relógio, não com os investigadores.

Não é por falta de material que a Lava Jato morre. Se o assalto às verbas da Saúde revela alguma coisa é que a corrupção tornou-se algo tão incrustado na rotina do Brasil quanto as escamas no peixe. O que desaparece gradativamente é o medo de ser punido.

Pela primeira vez na história do Brasil as forças repressoras do Estado obtiveram resultados efetivos contra a corrupção. Por um instante, imaginou-se que o Direito penal passaria a funcionar como prevenção geral. Chegar-se-ia ao estágio em que o criminoso cogitaria desistir de praticar crimes pelo temor de ser punido.

Os saqueadores do Estado recobraram a confiança. A sensação de invulnerabilidade aumentou depois que o clã presidencial revelou-se parte do problema. Jair Bolsonaro levantou Sergio Moro para que a Segunda Turma do Supremo cortasse. A sentença do caso do tríplex está na bica de voar pelos ares.

Na tropa do Ministério Público, ficou fácil distinguir os traidores, pois Cavalo de Tróia não galopa. Enviado por Bolsonaro ao comando da Procuradoria como um presente de grego, o procurador-geral Augusto Aras caiu nas graças da banda tóxica já na fase da sabatina do Senado.

Senadores petistas aplaudiram a escolha de Bolsonaro. O multi-investigado Renan Calheiros fez rasgados elogios a Aras. O Senado referendou a escolha por 68 votos a 10. A votação foi turbinada pelo compromisso assumido por Aras de ajustar os "métodos" da Lava Jato, impondo à turma de Curitiba a temperança de "cabelos brancos".

Não há no Ministério Público quem esteja mais associado à Lava Jato do que Deltan Dallagnol. Por seus erros e, sobretudo, pelos acertos, o coordenador da força-tarefa de Curitiba tornou-se a personificação da operação. O procurador deixa a trincheira para cuidar da filha, às voltas com problema de saúde. Faz bem.

Do ponto de vista do esforço anticorrupção, pouco importa para onde Deltan levará a inquietude dos seus cabelos pretos. O cortejo fúnebre da operação Lava Jato seguirá o seu curso.