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Josias de Souza

Cúpula do MPF avalia que há elementos para investigar Bolsonaro e Pazuello

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

21/01/2021 03h06

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A pandemia do coronavírus agravou os sintomas de uma crise que consome as entranhas do Ministério Público Federal. Integrantes da cúpula do órgão avaliam que há elementos para a abertura de investigações contra autoridades federais responsáveis pela gestão da crise sanitária —entre elas Jair Bolsonaro e o ministro Eduardo Pazuello (Saúde). Queixam-se da inação do procurador-geral da República Augusto Aras. Em privado, atribuem a inércia ao desejo de Aras de blindar Bolsonaro e seu governo.

A crise se agravou após a divulgação de uma nota de Augusto Aras na terça-feira. Nela, o procurador-geral se exime de avaliar "eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República." Alega que essa é uma "competência do Legislativo." Em reação, seis subprocuradores-gerais da República produziram uma resposta ácida. Ocupa três páginas. O conteúdo desmente Aras. E enumera meia dúzia de fatos passíveis de investigação.

Assinam a peça os seguintes subprocuradores-gerais: José Adonis Callou de Araújo Sá, José Bonifácio Borges de Andrada, José Elaeres Marques Teixeira, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, Mario Luiz Bonsaglia e Nicolao Dino. Eles compõem um bloco majoritário no Conselho Superior do Ministério Público Federal. Instância máxima de deliberação do MPF, o colegiado possui dez membros. Entre eles o próprio Aras e seu braço direito, o vice-procurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros.

No documento em que se contrapõem à posição de Aras, os subprocuradores-gerais mencionam o artigo 102 da Constituição, que relaciona as atribuições do Supremo Tribunal Federal. No primeiro item desse artigo, está escrito que cabe à Suprema Corte "processar e julgar" autoridades que desfrutam de foro especial —"Nas infrações penais comuns, o presidente da República...", lê-se na letra "b". "Nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado...", informa o enunciado da letra "c".

Os subscritores do documento recordam que é o procurador-geral da República quem atua em nome do MPF junto ao Supremo. Portanto, cabe a Augusto Aras exercer as atribuições do cargo, que "é dotado de independência funcional." Não faz nexo o argumento de que caberia apenas ao Legislativo agir contra "eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República."

Augusto Aras não precisa esperar por pedidos de terceiros. Dispõe de poderes constitucionais para abrir investigações por conta própria. Pode agir "de ofício", como se diz no jurisdiquês, o idioma do Direito. Nas palavras de um dos autores do documento que exorta o procurador-geral a se mexer, não se espera que Aras promova prejulgamentos. Deseja-se apenas que reconheça a necessidade de promover investigações.

Os subprocuradores-gerais escreveram que "a gravidade da pandemia ensejou a união de esforços da comunidade científica, de empresas, entidades estatais e organismos internacionais, para estudos e produção de vacinas, em breve tempo." Realçaram os esforços do Butantan e da Fiocruz. Mas estranharam "o comportamento incomum de autoridades" federais.

O documento menciona o caso de Manaus, cuja rede hospitalar padece de um "desabastecimento de cilindros de oxigênio" que resulta em "mortes de pacientes por asfixia e transferência emergencial de outros para tratamentos em estados diversos." Os críticos de Aras empilharam a matéria-prima para as investigações que o procurador-geral se recusa a deflagrar. Quatro dizem respeito à pandemia, uma se relaciona à confiabilidade das urnas eletrônicas, e outra trata do papel das Forças Armadas numa democracia. Eis a lista:

1) "Divulgação de informações em descompasso com as orientações das instituições de pesquisa científica";

2) "Defesa de tratamentos preventivos sem comprovação científica";

3) "Crítica aos esforços de desenvolvimento de vacinas, com divulgação de informações duvidosas sobre a sua eficácia, de modo a comprometer a adesão ao programa de imunização da população";

4) "Demora ou omissão na aquisição de vacinas e de insumos para sua fabricação, circunstância que coloca o Brasil em situação de inequívoco atraso na vacinação de sua população";

5) "Manifestações críticas direcionadas ao TSE e ao sistema eleitoral brasileiro, difundindo suspeitas desprovidas de qualquer base empírica, e que só contribuem para agravar o quadro de instabilidade institucional";

6) A "recente declaração do senhor presidente da República, em clara afronta à Constituição Federal, atribuindo às Forças Armadas o incabível papel de decidir sobre a prevalência ou não do regime democrático em nosso país."

Na visão dos subprocuradores-gerais "a possibilidade de configuração de crimes de responsabilidade, eventualmente praticados por agente político de qualquer esfera, também não afasta a hipótese de caracterização de crime comum, da competência dos tribunais."

Portanto, prosseguem os críticos de Aras, "o Ministério Público Federal e, no particular, o procurador-geral da República, precisa cumprir o seu papel de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de titular da persecução penal, devendo adotar as necessárias medidas investigativas a seu cargo." Não se admite que Aras se autoatribua a prerrogativa de "excluir previamente" das investigações, "antes de qualquer apuração, as autoridades que respondem perante o Supremo Tribunal Federal por eventuais crimes comuns ou de responsabilidade".

Augusto Aras jactou-se na nota que veio à luz na terça-feira de ter requisitado ao Ministério da Saúde a abertura de "inquérito epidemiológico e sanitário". Mal comparando, foi como se o procurador-geral encomendasse a um vampiro a apuração das suspeitas de invasão do banco de sangue. "Em três décadas de atuação no Ministério Público, nunca vi nada igual", ironizou um dos subprocuradores incomodados.

Considerou-se inadequada também a afirmação de Aras segundo a qual "o estado de calamidade pública" decretado para facilitar a gestão da crise sanitária "é a antessala do estado de defesa". Para o grupo de subprocuradores-gerais, "a defesa do Estado democrático de direito afigura-se mais apropriada e inadiável do que a antevisão de um 'estado de defesa' e suas graves consequências para a sociedade brasileira, já tão traumatizada com o quadro de pandemia ora vigente."