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Se proteger Daniel Silveira, Câmara se apatifará
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Apatifar é um verbo pouco usado. Os dicionários ensinam que significa tornar-se um patife, virar um canalha, aviltar-se. A Câmara se apatifará se oferecer proteção ao deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), preso em flagrante na noite passada horas depois de pendurar na internet um vídeo em que recorre à baixaria no seu mais alto nível para atacar o Supremo Tribunal Federal e seus ministros.
Em maio de 2020, quando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, arrastou o bolsonarismo para dentro de um inquérito sobre notícias falsas, Bolsonaro subiu nas tamancas: "Acabou, porra!" Era engano. Estava só começando. Daniel Silveira, um dos alvos de Moraes, forneceu material para sua prisão. Se quiser, o plenário da Câmara pode mandar abrir a cela, apatifando-se.
Continua atual a velha tirada de Churchill, sobre a democracia ser o pior regime imaginável com exceção de todos os outros. O diabo é que políticos como Daniel Silveira estão empenhados em dar razão aos que pregam alternativas piores —como a ditadura. Não notou que a democracia é o único regime em que uma hipotética sabedoria coletiva elege ignorâncias individuais.
O apatifamento da política começa pela degradação do discurso público. Um deputado dispõe de imunidade parlamentar para dizer tudo o que a lei permite. O problema é que Daniel Silveira fez da própria língua uma criminosa em série. Podendo exercer em sua plenitude o direito à liberdade de expressão, o adorador do mito tem uma dificuldade absoluta de se exprimir sem invadir o Código Penal.
Impossível catalogar Daniel Silveira em outra categoria que não seja a de um parlamentar viral. Pertence à cepa bolsonarista, originária de um presidente que assegura que não houve um golpe em 1964 nem uma ditadura militar nos 20 anos subsequentes, abomina vacinas e sonha em "tirar de circulação" os jornais. Pende da árvore genealógica desse "mito" um Zero Três que já declarou que bastam "um cabo e um soldado" para fechar o Supremo.
O mais inusitado é que o Supremo poucas vezes esteve tão vulnerável como agora. Merece inúmeras críticas. O próprio inquérito no qual Daniel Silveira encalacrou-se nasceu de um ato ilegal, editado à revelia do Ministério Público Federal pelo então presidente da Corte, Dias Toffoli. O problema é que o linguajar apatifado da crítica garante ao Supremo, por contraste, uma imagem de hedionda superioridade.
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