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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Deputado Daniel Silveira cometeu um burricídio

Herculano Barreto Filho/UOL
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Colunista do UOL

18/02/2021 19h22

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Preso na noite de terça-feira (16), Daniel Silveira foi abordado por um repórter ao chegar no Instituto Médico Legal, para o exame de corpo de delito. Ouviu a seguinte pergunta: "Como o senhor espera que a Câmara avalie isso?" Respondeu de bate-pronto: "Vai revogar a prisão, vai revogar. O poder é independente." Desde então, tudo ganhou uma aparência de epílogo na rotina do deputado.

Quem olha para Daniel Silveira logo percebe que lhe sobram músculos. Quem ouve o personagem não demora a notar a falta que lhe fazem os miolos. Natural que a ficha do deputado demore a cair. Mas até ele, com todo o seu excesso e a sua escassez, já deve estar próximo de se dar conta de que inventou uma nova modalidade de autoeliminação: o burricídio.

O tronco hipertrofiado levou o deputado a fazer do seu mandato um ato físico. Em menos de 48 horas, Daniel Silveira descobriu que não possui costas tão largas. Às voltas com seus próprios calos no Supremo Tribunal Federal, o suposto amigo Jair Bolsonaro achou melhor não se meter em novos apertos. Fingindo-se de morto, o presidente como que liberou o funeral do aliado.

Embora o ex-PM Daniel Silveira atue no Legislativo como um franco-atirador, líderes do centrão chegaram a cogitar a hipótese de lançar sobre o mandato dele o manto diáfano do corporativismo. O placar de 11 a zero no Supremo a favor da prisão levou o conglomerado partidário a dar meia-volta.

O centrão, como se sabe, é 100% feito de investigados, denunciados, réus, culpados e cúmplices. O próprio Arthur Lira, presidente da Câmara e líder máximo do grupo, é réu em dois processos que correm no Supremo. De repente, os chefões do centrão perguntaram a si mesmos: por que deveríamos acionar o espírito de corpo para defender um corpo estranho?

Surfando a onda Bolsonaro, Daniel Silveira imaginou ser um legítimo representante da nova política. Inundou as redes sociais com ideias que não dão água pela canela. Servindo-se de instrumentos da democracia —imunidade parlamentar e liberdade de expressão— desancou os mais elementares valores democráticos. Navegando o próprio mandato como um comandante de navio que se queixa da existência do mar, bateu no iceberg do Supremo.

Os velhos tecelões do Congresso são seres solidários. Mas só levam sua solidariedade até a beirada da sepultura. Jamais pulam na cova. Enxergam o suicídio como uma coisa muito íntima, relacionada ao direito constitucional de ir e vir. Daniel Silveira exibe um comportamento de alto risco. Apaixonou-se pela autocombustão. E foi correspondido. Descobriu que, em política, a burrice também é um tipo de suicídio, mesmo que seja na forma de um desafio à própria sorte.