Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Comitê anticovid chega com 300 mil cadáveres de atraso e sem autocrítica
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Sob pressão, Jair Bolsonaro anunciou a criação de um "comitê" que se reunirá semanalmente para "decidirmos ou redirecionarmos o rumo do combate ao coronavírus." A iniciativa chega tarde para os 300 mil brasileiros que a "gripezinha" já enviou à cova. E veio desacompanhada de uma autocrítica do presidente que chamou a nova onda de "conversinha" e previu que a pandemia estava no "finalzinho".
De concreto, por ora, o que há é uma fotografia na qual sobressaem as figuras dos presidentes dos três Poderes. E um amontoado de palavras lançadas ao vento. Algumas soaram óbvias. Vacinação, por exemplo. Outras revelaram-se desconexas, como a defesa que Bolsonaro voltou a fazer do "tratamento precoce" da covid (pode me chamar de cloroquina). Houve também palavras que deixaram de ser mencionadas. Eis a principal: lockdown. Ou confinamento.
Dono da mão invisível que articulou o encontro desta quarta-feira no Palácio da Alvorada, Rodrigo Pacheco, o presidente do Senado, chamou o novo arranjo de "pacto nacional liderado por quem a sociedade espera que lidere, que é o senhor presidente da República, Jair Bolsonaro." Foi como se o senador dissesse, com outras palavras: "O piloto sumiu, mas estamos tentando trazê-lo de volta."
Otimista, Pacheco disse haver a "compreensão de que medidas precisam ser urgentemente tomadas." Tudo com a "liderança técnica, contundente e urgente do Ministério da Saúde, através do ministro Marcelo Queiroga." Empossado na véspera, em solenidade sigilosa, fora da agenda, sem convidados e não testemunhada pela imprensa, Queiroga pronunciou meia dúzia de palavras.
Tido como ministro da "continuidade" do trabalho do antecessor Eduardo Pazuello, considerado "excepcional" por Bolsonaro, Queiroga disse coisas definitivas sem definir muito bem as coisas.
A conclusão do encontro da cúpula da República, segundo o ministro, foi uma obviedade: é preciso assegurar "o fortalecimento do SUS, articulado nos três níveis —União, estados e municípios—, para prover à população brasileira, com agilidade, uma campanha de vacinação que possa atingir uma cobertura vacinal capaz de reduzir a circulação do vírus." Num ambiente em que há mais braços do que vacinas, faltou definir "agilidade".
Arthur Lira, o presidente da Câmara, exagerou ao exaltar a representatividade da reunião. Mencionou "a presença muito significativa de governadores, ministros de estado, representantes de todos os poderes..." Governadores havia apenas uns poucos gatos pingados que chamam Bolsonaro de "aliado". Embora a vacinação seja uma responsabilidade das prefeituras, não se viu na reunião um mísero prefeito.
Pretende-se que desse convescote de amigos resulte o que Lira chamou de "união de todos para que consigamos comunicar melhor, despolitizar a pandemia, desarmar os espíritos e tratar o problema como um problema de todos, um problema nacional." Os governadores serão procurados nos próximos dias. Não por Bolsonaro, mas por Pacheco, o mandachuva a do Senado. Os prefeitos? Bem, eles não foram nem citados.
Um dos poucos governadores presentes, o goiano Ronaldo Caiado foi ao microfone. Falou como se o Brasil estivesse situado no mundo da Lua. Em meio a platitudes como a prioridade à vida e a necessidade de isolamento social, realçou o esforço diplomático que precisa ser feito para acelerar a obtenção de vacinas. Além da óbvia necessidade de buscar "parceria" com países que tem mais vacinas do que necessitam, reivindicando o "compartilhamento", Caiado citou os laboratórios farmacêuticos.
O governador de Goiás avalia que convém "sensibilizar os laboratórios, que hoje têm a tecnologia da vacina, para que entendam a necessidade de ser compartilhada, para que outros laboratórios também possam produzir, já que temos uma demanda de 8 bilhões de pessoas no planeta." Num instante em que a vacina anticovid é o produto mais cobiçado do universo, Caiado supõe ser possível convencer laboratórios que investiram milhões no desenvolvimento de imunizantes em prazo recorde a ceder graciosamente a tecnologia.
Luiz Fux, presidente do Supremo, teve boa impressão do encontro do Alvorada: "Dessa reunião, ficou claro um binômio muito importante: exemplo e esperança", disse. Para além do lero-lero, é difícil extrair bons exemplos de pacto nacional supostamente comandado por um presidente que, isolado, submete-se a contragosto à pressão dos comandantes do Legislativo. Mas é preciso reconhecer que a alegada "união nacional" oferece um bom aviso aos brasileiros: não há razões objetivas para nutrir esperanças.
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