Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
CPI da Covid tornou-se a comissão da limonada
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A CPI da Covid ainda nem foi instalada e já flerta com a desmoralização. Com medo da corda, Bolsonaro quer aumentar o número de pescoços. Deseja arrastar para o mesmo patíbulo governadores e prefeitos. Num cadafalso ao lado, os ministros do Supremo. Até aí, nada de estranho. O esquisito é que há senadores ansiosos por atender aos desejos do investigado.
"Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai vir para cima de mim", disse Bolsonaro numa conversa telefônica com o senador Jorge Kajuru (GO). O presidente lecionou: "O que tem que fazer para ser uma CPI útil para o Brasil: mudar a amplitude dela, bota presidente da República, governadores e prefeitos."
Kajuru gravou a conversa. Jogou o áudio no ventilador das redes sociais. "Não abro mão de ouvir os governadores em hipótese alguma", declarou o senador para o presidente, rogando ao alvo da CPI que o poupe de suas críticas: "Só não quero que o senhor me coloque no mesmo joio."
"Se não mudar, a CPI vai simplesmente ouvir o Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana", queixou-se Bolsonaro a certa altura. O diálogo ocorreu na noite de sábado, Horas antes, outro senador, Alessandro Vieira (SE), já havia encaminhado à presidência do Senado requerimento pedindo que a CPI alcance também governadores e prefeitos.
Autor do pedido de CPI, o senador Randolfe Rodrigues definiu o objeto da investigação assim: "Apurar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil, em especial no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados."
Foi com esse "fato determinado" que o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, determinou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que desengavetasse a CPI. Está claro que o objetivo é investigar o governo federal.
É evidente que, depois de deflagrada, a apuração pode esbarrar em estados e municípios. Nessa hipótese, a CPI teria de investigar também os chamados fatos conexos. O que parece estranho, muito estranho, estranhíssimo é a pressa em dispersar a apuração antes de concentrá-la na incontroversa inépcia federal.
Curiosamente, Jorge Kajuru e Alessandro Vieira, ambos do partido Cidadania, são os autores do mandado de segurança que resultou na ordem judicial que retirou a CPI da gaveta. Como diria Rodrigo Pacheco, o presidente do Senado, a conversa com Bolsonaro e a multiplicação prévia da quantidade de alvos se parecem muito com pontos fora da curva.
Animado com a receptividade de suas demandas, Bolsonaro disse para Kajuru "uma coisa importante." Eis o que o investigado considera relevante: "Você tem que fazer do limão uma limonada. Por enquanto é um limão que está aí, dá para ser uma limonada. Tem que peticionar o Supremo para botar em pauta o impeachment" dos ministros da Suprema Corte.
Solícito, Kajuru informou que já começara a espremer o limão. "Você fez para investigar quem?", indagou Bolsonaro. E o senador: "O Alexandre de Moraes." Bolsonaro afagou o interlocutor: "Parabéns para você."
Uma investigação que começa com um diálogo em que o investigado parabeniza o suposto investigador tem enorme potencial para transformar em fiasco o que poderia ser uma boa iniciativa. Bolsonaro sabe o que diz. Limão costuma virar limonada em CPIs quando o excesso de pescoços estimula a costura de um acordão para esconder a corda.
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