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Roteiro da CPI da Pandemia conduz a Bolsonaro
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Desde que o Brasil se reencontrou com a democracia, em 1985, realizaram-se no Congresso Nacional 203 comissões parlamentares de inquérito. A CPI da Pandemia é diferente de todas as outras. O flagelo a ser investigado nunca foi tão nítido: a negligência do Estado na gestão da crise sanitária. A aferição do resultado da inépcia dispensa diligências, pois aparece diariamente no noticiário: 371.889 cadáveres, segundo a penúltima atualização. O êxito da investigação independe da quebra de sigilos dos investigados. Jair Bolsonaro forneceu as pistas que a CPI planeja percorrer para apanhá-lo.
A despeito do esforço do presidente para jogar estados e municípios no ventilador, o grupo majoritário na CPI prioriza as vacinas e a cloroquina. Sem prejuízo de averiguar casos pontuais de malversação de verbas federais repassadas a governadores e prefeitos, formou-se um sólido consenso entre os senadores quanto à necessidade de refinar o foco. A letalidade do coronavírus no Brasil foi potencializada pela combinação da demora na compra de vacinas com a aposta de Bolsonaro nos poderes curativos de medicamentos ineficazes no tratamento da Covid-19.
Nas palavras de um dos senadores da CPI, "Bolsonaro envelheceu os métodos clássicos de ocultação. Atua como locutor dos próprios erros, alardeando todos eles em entrevistas, discursos e contatos com apoiadores." A aposta do pedaço majoritário da CPI é a de que será possível demonstrar documentalmente que o governo Bolsonaro fez uma opção preferencial pelo desastre. Nessa versão, o presidente apostou que a imunidade coletiva —ou de rebanho— seria alcançada não pela vacinação, mas pelo contágio em massa. Infectados, os brasileiros adquiririam os anticorpos que permitiriam o retorno à "normalidade."
Serão requisitados documentos do Tribunal de Contas da União, que esquadrinhou a gestão do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. Planeja-se também requisitar dados diretamente da fonte: os contratos com fabricantes de vacinas e toda a papelada relativa à negociação; os ofícios que encomendaram ao Exército a fabricação de cloroquina em escala industrial; o papelório da operação de compra do remédio inútil no combate à Covid em laboratório privado, com financiamento camarada do BNDES.
Os ex-ministros da Saúde Henrique Mandetta e Nelson Teich devem ser as primeiras testemunhas a prestar depoimento à CPI. Deixaram o governo por discordar do desprezo de Bolsonaro pela ciência. Pazuello vai ao banco da comissão não como simples testemunha. Será inquirido como investigado. Não se exclui a hipótese de que o general pleiteie no Supremo Tribunal Federal um salvo-conduto para se eximir de responder ao interrogatório, escorando-se no direito constitucional de não se autoincriminar.
É improvável que Pazuello saia ileso da CPI. Mas os senadores têm consciência de que o general é coadjuvante útil no enredo da crise sanitária. Militarizou a pasta da Saúde. Guiou-se pelo respeito à hierarquia dos novos tempos, na qual generais se submetem às idiossincrasias de um capitão expurgado do Exército por indisciplina. Pazuello assumiu o papel de boi de piranha, um bicho que é jogado no rio para ser devorado enquanto a manada passa. Mas Bolsonaro demarcou seus erros com tanto cuidado que fez questão de registrar em vídeo a subserviência do ministro: "Um manda e o outro obedece", disse Pazuello ao lado do chefe.
Os fatos impõem à CPI um roteiro que conduz a Bolsonaro: a defesa de tratamento preventivo não avalizado cientificamente, a crítica ao desenvolvimento e à eficácia das vacinas, a demora em adquirir imunizantes, o desprezo às máscaras, o estímulo à aglomeração... É Bolsonaro quem torna a nova CPI diferente de todas as outras. Antes, opositores precisavam ralar para levantar pistas. Agora, o presidente fornece os insumos para a obtenção do veneno que pode sufocar sua Presidência. Bolsonaro muda a agenda contra si mesmo.
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