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Sob Queiroga, Saúde ignorou uma sugestão do MPF para desistir da Covaxin
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Em ofício enviado ao Ministério da Saúde no dia 5 de abril de 2021, a Procuradoria da República no Distrito Federal sugeriu a revogação do contrato de compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin. O ministro Marcelo Queiroga respondia pela pasta havia 13 dias. Assumira em 23 de março, após o afastamento do general Eduardo Pazuello. A sugestão foi ignorada. Nesta quarta-feira, com a vacina indiana convertida em escândalo, Queiroga declarou que o contrato está sob análise do setor jurídico do ministério.
O ofício ignorado pela gestão de Queiroga foi endereçado pela procuradora da República Luciana Loureiro a Roberto Ferreira Dias, diretor do Departamento de Logística em Saúde. O documento informa sobre a tramitação na Procuradoria de um "inquérito civil" para apurar suspeita de irregularidades no contrato para a aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin. Negócio de R$ 1,614 bilhão.
Responsável pelo inquérito, a procuradora requisitou uma posição do ministério sobre o "possível atraso e/ou descumprimento do contrato" celebrado com o laboratório indiano Bharat Biotech, representado no Brasil pela empresa Precisa Medicamentos. Previa que as vacinas seriam "entregues, escalonadamente, em até 70 dias" após o fechamento do negócio, em 25 de fevereiro de 2021.
A procuradora realçou no texto que a Anvisa havia negado, em 30 de março de 2021, "o certificado de boas práticas de fabricação ao laboratório" da Índia. Anotou que a negativa da Anvisa "impede a entrega dos lotes" de vacina no prazo. E lembrou que, diante da posição da agência sanitária brasileira, o contrato prevê, em sua "cláusula 15.1.3", a "hipótese de rescisão sem qualquer ônus para o Ministério da Saúde".
Não há vestígio da chegada de vacinas indianas no Brasil. O site do Ministério da Saúde informa que o contrato intermediado pela Precisa Medicamentos continua em vigor. A cifra destinada ao pagamento, R$ 1,614 bilhão, foi empenhada em fevereiro, nas pegadas da assinatura do contrato. E continua bloqueada. Não pode ser utilizada em nenhuma outra despesa.
É contra esse pano de fundo que depõe nesta sexta-feira à CPI da Covid o servidor concursado do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, chefe da Divisão de Importação do Departamento de Logística em Saúde. Ele será acompanhado pelo irmão homônimo, o deputado federal bolsonarista Luis Miranda (DEM-DF). A dupla esteve no Planalto em 20 de março, três dias antes da posse de Marcelo Queiroga, para denunciar ao presidente a existência de corrupção na compra da Covaxin.
Luis Ricardo, o servidor, contou ao presidente que resistiu à pressão de seus superiores para assinar um documento que liberaria um pagamento antecipado em nome de Madison Biotech, localizada em Singapura. Se tivesse cedido, o Tesouro teria desembolsado US$ 45 milhões, o equivalente a R$ 222 milhões, mediante a promessa de entrega de 300 mil doses de vacina.
O contrato não menciona a Madison, veda pagamentos antecipados e anota que o primeiro lote conteria 4 milhões de vacinas. Na versão dos irmãos Miranda, Bolsonaro disse que requisitaria a abertura de investigação da Polícia Federal. Não requisitou. Agora, decorridos três meses, acionou a PF, a Controladoria-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República para investigar os denunciantes, não a denúncia.
O servidor Luis Ricardo prestou depoimento à procuradora Luciana Loureiro. Disse ter recebido pressões incomuns para acelerar os procedimentos relacionados à compra da Covaxin. A procuradora farejou indícios de crime na transação. Encaminhou o caso para o setor da Procuradoria que cuida dos processos criminais. O caso passou a ser investigado civil e criminalmente.
Para a Procuradoria, o contrato está crivado de irregularidades. É a vacina mais cara da praça. Custa quatro vezes mais, por exemplo, do que a concorrente de Oxford-AstraZeneca. É o único contrato firmado pela pasta da Saúde com uma empresa atravessadora, a Precisa, com histórico de irregularidades nos seus negócios com o setor público. Não dispõe de aval da Anvisa. Os primeiros frascos, que deveriam chegar ao Brasil em maio, não vieram. Não são negligenciáveis as chances de descumprimento do contrato.
Embora assegure que não há nada de irregular na transação, o governo passou a namorar a ideia de revogar o contrato de compra da Covaxin. Cogita fazer por pressão o que deixou de fazer por opção em março, quando o servidor da Saúde levou os lábios ao trombone. Ou em abril, quando a procuradora Luciana Loureiro sugeriu que fosse invocada a cláusula contratual que teria permitido a revogação sem ônus.
Ainda que revogue ordene a revocação do contrato, Bolsonaro ficará devendo duas respostas à plateia: 1) Por que não acionou a PF em março? 2) Quem encostou no cofre do Tesouro a fatura antecipada de R$ 222 milhões?
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