Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Em conversa com Bolsonaro, Fux oferece diálogo a quem pede interrogatório
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Arma-se em Brasília uma outra encenação enfadonha. Luiz Fux, presidente do Supremo, propôs a Bolsonaro uma reunião dos chefes dos três Poderes. Deseja atrair o presidente da República para uma conciliação em torno do que definiu como o estabelecimento de "balizas sólidas para a democracia brasileira". Algo capaz de preservar a "estabilidade" do regime político. Arrisca-se a fazer papel de bobo quem acreditar na teatralidade de uma articulação que junta numa mesma formulação Bolsonaro e os vocábulos conciliação e entendimento. São coisas inconciliáveis.
Esse espetáculo é repetido. Já foi encenado há quatro meses. Não teve final feliz. Reuniram-se no Alvorada, em 24 de março, Bolsonaro, Fux e os presidentes do Senado e da Câmara, respectivamente Rodrigo Pacheco e Arthur Lira. Ao final do encontro, foi anunciado com pompa um "pacto nacional" para o combate à pandemia. Com um ano de atraso, formou-se um comitê de gerenciamento da crise sanitária com a participação de Bolsonaro, Lira e Pacheco, a quem caberia dialogar com os governadores.
Hoje, o "pacto" é apenas um outro nome para conversa fiada. O comitê anti-Covid revelou-se tão eficaz quanto a cloroquina no combate ao coronavírus. O colegiado definhou até sumir do noticiário. No seu lugar, entrou em cartaz a CPI da Covid. No momento, a comissão dedica-se a investigar a corrupção na compra de vacinas. Descobriu-se que, em 20 de março, apenas quatro dias antes de se reunir com Fux, Pacheco e Lira, Bolsonaro recebera no Alvorada os irmãos Miranda.
O presidente ouviu do deputado Luis Miranda e do irmão dele, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, um relato sobre irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin. É coisa do Ricardo Barros, reagiu Bolsonaro, referindo-se ao líder do governo na Câmara. Ao contrário do que prometera aos visitantes, o presidente não acionou o "DG" (diretor-geral) da Polícia Federal. E não removeu Ricardo Barros do posto de líder.
Nesta segunda-feira (12), horas antes de ser recepcionado por Fux na presidência do Supremo, Bolsonaro amargou a abertura de inquérito da Polícia Federal para investigar se cometeu o crime de prevaricação ao enfiar embaixo do tapete as denúncias que recebeu dos irmãos Miranda. Ou seja: o chefe da Suprema Corte propôs diálogo a quem merece interrogatório.
O inquérito sobre a Covaxin é o segundo a ser estrelado por Bolsonaro no Supremo. A relatora é a ministra Rosa Weber. O primeiro, aberto em abril do ano passado, apura a denúncia do ex-ministro Sergio Moro, que deixou o governo acusando o presidente de aparelhar politicamente a Polícia Federal. Alexandre de Moraes herdou a relatoria de Celso de Mello, que se aposentou. O caso está parado desde setembro do ano passado, à espera de definição do Supremo sobre o formato do depoimento que Bolsonaro prestará à PF —presencial ou por escrito?
A essa altura, a única conciliação de que Bolsonaro necessita é um entendimento com as leis. As vacinas para os vírus que infectam a Presidência de Bolsonaro já existem. Estão disponíveis na Constituição. Para a pandemia, o artigo 196: "A Saúde é direito de todos e dever do Estado..."
Para o pandemônio antidemocrático, o artigo 85: "São crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: [...] o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público [...]; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do país; a probidade na administração; [...] o cumprimento das leis e das decisões judiciais."
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