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Josias de Souza

REPORTAGEM

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Rachadinha de Alcolumbre constrange Pacheco

Rodrigo Pacheco e Davi Alcolumbre - Divulgação/Senado
Rodrigo Pacheco e Davi Alcolumbre Imagem: Divulgação/Senado

Colunista do UOL

30/10/2021 02h55

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Rodrigo Pacheco deve sua eleição à Presidência do Senado a uma meticulosa articulação conduzida pelo antecessor Davi Alcolumbre. A costura foi avalizada pelo Planalto e azeitada pela distribuição de emendas orçamentárias secretas. Em retribuição, Pacheco operou para que Alcolumbre fosse acomodado no assento de presidente da Comissão de Constituição e Justiça, a segunda poltrona mais cobiçada da Casa. A denúncia de que Alcolumbre amealhou verbas públicas ilicitamente num esquema de rachadinha envenenou a parceria. Pacheco é pressionado a agir contra o aliado tóxico.

A visibilidade obtida no comando do Senado levou Pacheco a cultivar um projeto presidencial. Ele trocou o DEM pelo PSD, convertendo-se numa opção da chamada terceira via. Membro da Comissão de Justiça, o senador sergipano Alessandro Vieira, ele próprio um presidenciável do partido Cidadania, diz em voz alta o que outros senadores sussurram nos subterrâneos: "Há um presidenciável na Presidência do Senado. O Brasil inteiro quer saber o que esse presidenciável fará em relação ao colega acusado de patrocinar uma rachadinha de R$ 2 milhões."

O Senado foi do céu ao inferno num intervalo de três dias. Na terça-feira, aprovou o relatório final de uma CPI que esquadrinhou a maior tragédia sanitária da história do país. Decorridas menos de 72 horas, o ex-presidente Alcolumbre emergiu no noticiário embolsando 90% dos salários de seis ex-funcionárias do seu gabinete. A apropriação ocorreu entre janeiro de 2016 e março deste ano de 2021. Súbito, Alcolumbre virou matéria-prima para uma outra Comissão Parlamentar de Inquérito: a CPI da Rachadinha, proposta por Vieira para investigar a apropriação de salários de servidores dos gabinetes de membros da família Bolsonaro.

Surpreendido pela denúncia estampada nas páginas da revista Veja, Alcolumbre reagiu à moda Lula. Sem condições de produzir um desmentido categórico contra notícia que traz depoimentos e evidências sólidas de que seis ex-servidoras foram lesadas, limitou-se a insinuar que não sabia. "Nunca tratei, procurei, sugeri ou me envolvi nos fatos mencionados, que somente tomei conhecimento agora", escreveu o senador em nota.

A extravagância atribuída a Alcolumbre (DEM-AP) é prima-irmã das rachadinhas do senador Flávio Bolsonaro e do vereador Carlos Bolsonaro. A diferença é que o peculato imputado aos filhos Zero Um e Zero Dois do presidente da República foi praticado no Rio de Janeiro. Num hábito herdado do próprio Bolsonaro, acusado de praticar a rachadinha à época em que era deputado federal, Flávio (Patriota-RJ) foi denunciado por apropriar-se de parte da folha do seu gabinete à época em que dava expediente na Assembleia Legislativa do Rio. Carlos (Republicanos-RJ) é protagonista de inquérito que apura o mesmo crime na Câmara Municipal carioca.

Alcolumbre distanciou-se do Planalto. Perdeu para o senador licenciado Ciro Nogueira (PP-PI), chefe da Casa Civil da Presidência da República, a prerrogativa de distribuir as verbas do pedaço secreto do Orçamento da União. Abespinhado, tornou-se um estorvo para Bolsonaro. Retarda há mais de cem dias na CCJ do Senado a sabatina do ex-advogado-geral da União André Mendonça, indicado pelo presidente para a vaga do ministro aposentado Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal. Alcolumbre conspira abertamente para substituir o candidato "terrivelmente evangélico" de Bolsonaro pelo procurador-geral da República Augusto Aras.

Pacheco também tomou distância do Planalto. Poderia levar a apreciação da indicação de André Mendonça diretamente para o plenário, eliminando a fase da sabatina na CCJ. Mas finge-se de morto. Bolsonaro passou a tratá-lo como um adversário na corrida presidencial. Acusa Pacheco de conspirar contra os projetos de interesse do governo no Senado. Aliados do presidente cogitam pressionar Alcolumbre a se afastar do comando da CCJ. Insinuam que ele deveria se licenciar do mandato, dedicando-se à sua defesa.

A rachadinha de Alcolumbre serviu para avisar aos brasileiros que passaram os últimos seis meses embevecidos com os interrogatórios da CPI da Covid que o Senado continua sendo o mesmo. Há de tudo na velha Casa legislativa —das rachadinhas de Alcolumbre e Flávio ao dinheiro escondido na cueca pelo senador Chico Rodrigues (DEM-RO), das pendências judiciais de Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, ao inquérito criminal do líder do governo Fernando Bezerra (MDB-PE), defensor oficial de Bolsonaro na recém-encerrada Comissão Parlamentar de Inquérito.

De resto, as revelações que tisnam a biografia de Alcolumbre devolverão às manchetes outra deformidade do Senado: a inoperância de um Conselho de Ética que fez aniversário de dois anos no mês passado sem julgar um mísero desvio ético. E não foi por falta de material. Há no gavetão de assuntos pendentes do conselho mais de duas dezenas de casos, entre eles os pedidos de cassação de Flávio Bolsonaro e de Chico Rodrigues, destituído por Bolsonaro da vice-liderança do governo há um ano, quando foi pilhado pela Polícia Federal escondendo R$ 33 mil nas nádegas, sob a cueca.

Presidido pelo senador Jayme Campos (DEM-MT), o Conselho de Ética é comparado por Alessandro Vieira a Papai Noel e ao coelhinho da Páscoa. Na prática, não existe. Alega-se que a pandemia impediu as reuniões do colegiado. Conversa fiada. O problema do Senado não é o coronavírus, mas o velho e bom corporativismo. Rodrigo Pacheco deveria ter convocado uma sessão para eleger um novo conselho de ética no início da Legislatura. Cruzou os braços. Nos próximos dias, será instado a fazer por pressão o que se absteve de fazer por opção.