Topo

Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com sua 'neutralidade' pró-Putin, Bolsonaro aproxima-se da Venezuela

Bolsonaro culpa a Ucrânia por ter entregue país a um comediante - Agência Brasil
Bolsonaro culpa a Ucrânia por ter entregue país a um comediante Imagem: Agência Brasil

Colunista do UOL

28/02/2022 19h02

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O Itamaraty e Bolsonaro precisam chegar a um acordo. A pasta das Relações Exteriores e o presidente lidam com a guerra entre russos e ucranianos agarrados a um princípio caro à diplomacia brasileira: a neutralidade. Mas atribuem à palavra um significado diferente.

A neutralidade de Bolsonaro tem simpatia pelo líder russo Vladimir Putin e torce o nariz para o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. A neutralidade do Itamaraty não impede a condenação da invasão da Ucrânia pela Rússia na ONU. E permite chamar a atenção para a conveniência de calibrar as sanções que o Ocidente impõe ao Kremlin.

Citando os fertilizantes que o agronegócio importa da Rússia como uma "questão sagrada", Bolsonaro disse que o Brasil precisa adotar posição de "equilíbrio". Os negócios com a Rússia são relevantes. Mas o artigo 4º da Constituição não inclui os fertilizantes entre os princípios que adubam a política externa do país.

O texto constitucional menciona a autodeterminação dos povos, a não-intervenção, a solução pacífica dos conflitos, a independência nacional e a prevalência dos direitos humanos. Tudo isso foi violado pela Rússia ao invadir e bombardear a Ucrânia. A guerra já afeta o comércio global numa escala que vai muito além dos fertilizantes.

Representante do Brasil na ONU, o embaixador Ronaldo Costa Filho votou no Conselho de Segurança da entidade, na última sexta-feira, a favor da resolução que condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia. Nesta segunda-feira, em reunião da Assembleia Geral da ONU, o embaixador fez novas críticas explícitas à Rússia antes de ponderar que ainda há tempo para interromper a "rápida escalada de tensões que pode colocar toda a humanidade em risco."

A diferença entre a neutralidade do embaixador e a do presidente tornou-se explícita quando Bolsonaro reagiu a uma repórter que tratou os ataques da Rússia como "massacre". Falou como porta-voz russo ao afirmar que Putin não quer massacre.

Bolsonaro referiu-se a uma guerra que se alastra pelo mapa ucraniano como se fosse uma ação militar restrita a "duas regiões no sul da Ucrânia onde, em referendo, mais de 90% da população quis se tornar independente e se aproximar da Rússia."

De resto, o presidente brasileiro lamentou que o povo ucraniano tenha confiado a "um comediante o destino de uma nação." Mais um pouco e acaba responsabilizando a Ucrânia pelas bombas que chovem sobre seu território.

Esse tipo de "neutralidade" não orna nem com as palavras do embaixador brasileiro na ONU nem com a tradição da diplomacia brasileira. Bolsonaro fica mais próximo de países como Venezuela, Síria e Bielorrússia, os únicos que ainda expressam posição abertamente pró-Putin. Até a China já evoluiu na ONU do apoio à Rússia para a abstenção.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL